"-Que espécie de gente vive por aqui? (perguntou Alice)
-Naquela direção (disse o Gato, apontando com a pata direita) mora um Chapeleiro. E naquela (acrescentou, levantando a outra pata) mora a Lebre de Março. Visite um ou o outro, tanto faz: ambos são loucos.
-Mas eu não quero me encontrar com gente louca. (observou Alice)
-Você não pode evitar isso. (replicou o Gato) Todos nós aqui somos loucos. Eu sou louco. Você é louca.
-Como sabe que eu sou louca? (indagou Alice)
-Deve ser (disse o Gato) ou não teria vindo por aqui." (1980: 82-83)
sábado, outubro 31, 2009
sexta-feira, outubro 30, 2009
cordisburgo
cidade em que nasceu meu padrinho, terapeuta respiratório, analista e conselheiro, meu cumpade quelemém: o rosa.
ele sábio simples dos pensamentos do coração, transplantados na alma e nos perigos do viver.
meus pensamentos do músculo cardíaco são serenos e leves sobressaltos, como borboletas no estômago, fazendo cócegas em meio ao acalanto. como touro plácido no pasto.
quarta-feira, outubro 28, 2009
l'heure du chien-loup
a gente vai envelhecendo e vai dormindo menos, será?
em princípio, bem teórico, sempre quis dormir menos e menos (nunca dormi muito, insone crônica que sou), mas queria dormir menos de manhã, acordar cedinho, daquelas pessoas que pulam da cama super hiper dispostas, achando tudo lindo e cheias de energia.
sempre ouço que acordo muito engraçada, dizendo disparates. é um bom sinal, que conduz ao riso, invoca leveza pro dia e bom humor. mas é uma leseira letárgica, a que me assalta o espírito matinal...
sempre fui mais organicamente afeita à "l'heure du chien-loup", assim dizem os franceses. a hora do cão-lobo, que é quando o céu azula mais escurecidinho, no final da tarde se encontrando com a noite, recepcionando a lua. aqui, na minha terra, essa hora tens tons e laivos de alaranjado no céu, como se o sol dissesse: me vou e deixo meus cumprimentos à lua que chega.
aquela hora em que uivamos, querendo desfazer-nos do cão doméstico e por coleira civilizado, pra vazão do selvagem grito que nos entala a goela, pros saltos na noite até a linha do horizonte...
devo ser criatura crepuscular, embora me cause certa reserva essa palavra, tão sonoramente cara, em tempos de cultura pop adolescente e vampiresca...
p.s.: a imagem, do muito muito querido osvaldo goeldi, professor dileto do meu amigo gilvan samico, e que a este ensinou da arte do talhe e da circunscrição comedida das cores, uma pugência de sentidos.
terça-feira, outubro 27, 2009
post card from my brain
dear friend,
mais comum seria escrever-te em francês, se escolhesse uma estrangeira língua, mas Escher, o Mauritz Cornelius, me lembra Momus, o amigo caolho de músicas com letras incrivelmente barrocas na construção esmerada dos jogos de palavras... e Momus se constrói em inglês, eis o óbvio da sinapse.
queria dividir contigo essa imagem. queria te por a par de algo que ilustra a surrealista representação icônica de muito do que povoa meus pensamentos. imagens desconexas? ou uma cartesiana lógica, apenas pouco íntima de um conjunto de domínio público comum em larga escala? mas sempre fui da banda marginal, das exceções, que não gostam de excessos, ou só daqueles que tangem as raízes de um baobá pro fundo líquido e certo do chão.
o céu da cidade, querida amiga, permanece muito azul, alaranjando-se nos finais de tarde, na hora do chien-loup, minha preferida, do canto das jandaias em comboio, do nascer de luinhas no firmamento. e eu, no céu da boca, permaneço com aftas, que são úlceras e dizem da difícil digestão da lida diária. mas também, continuo demente, "funny lady", like the cat, of wonderland.
anéis de fumaça a ti. beijos ternos,
viajante e estrangeira.
(para Juana)
de longa muito distante data
uma linha lançada
em um acaso de rendas
e me construo pelos retalhos
como se cosendo em almofada antiga
bilros, palavra de evocações
herança genealógica
queria ser árvore de frutas amarelas,
quando criança
e fiz do rasgo dos teus olhos
tão pequena janela
a fonte de minhas perdizes
pássaros de larga passada
nas asas miúdas
de arfantes respiros
quero um nó de firme laço
do teu firme traço
nasce o pio da coruja
que me povoa o braço
e nos põe no mesmo ninho
mesmo tão apartados no espaço
em um acaso de rendas
e me construo pelos retalhos
como se cosendo em almofada antiga
bilros, palavra de evocações
herança genealógica
queria ser árvore de frutas amarelas,
quando criança
e fiz do rasgo dos teus olhos
tão pequena janela
a fonte de minhas perdizes
pássaros de larga passada
nas asas miúdas
de arfantes respiros
quero um nó de firme laço
do teu firme traço
nasce o pio da coruja
que me povoa o braço
e nos põe no mesmo ninho
mesmo tão apartados no espaço
segunda-feira, outubro 26, 2009
explicâncias inúteis
e lá vou eu, sem saber que lado tomar na via.
nem adianta toda tua retórica vazia,
posso até saber do teu tesão,
posso até saber da minha ânsia em te ver,
posso até saber do que poderíamos ainda ser.
mas sigo sem nem imaginar,
pra que lado vou me conduzir:
se te limo feito ferrugem e passo tinta nova no lugar,
se dobro a próxima esquina e somente sigo:
nem olho pra trás, nem cogito voltar.
nem adianta toda tua retórica vazia,
posso até saber do teu tesão,
posso até saber da minha ânsia em te ver,
posso até saber do que poderíamos ainda ser.
mas sigo sem nem imaginar,
pra que lado vou me conduzir:
se te limo feito ferrugem e passo tinta nova no lugar,
se dobro a próxima esquina e somente sigo:
nem olho pra trás, nem cogito voltar.
pequena encenação
Abrem-se as cortinas. Uma galinha d'angola cisca a um canto e carcareja como uma ladainha cotidiana e sem sobressaltos. Entra a personagem, aturdida, como se viesse de uma situação de aflição, mas muito contida. Os indícios vêm de sua expressão facial contraída e consternada.
Pega uma vassoura a um canto e começa a tentar juntar as folhas do quintal, que o vento insiste em espalhar novamente.
(monólogo da personagem, ou talvez ela fale mesmo com sua galinha de estimação)
- Inácia, Inácia, tu que és feliz... a ignorância é uma bênção, um certificado de garantia para se ter alegria descomprometida com a vida. Eita, inferno, como se põe pra fora uma raiva dessa, raiva nascida de amor? Eu devia mesmo era criar uma amnésia e esquecer esse sentimento vagabundo que a gente inventa e alimenta e imagina. Vou cuidar de filhos, vou cuidar da lida, vou capinar e regar e curar das sementes... (vai resmungando baixinho, como se pra si, como se pra galinha inerte, que parece um mecanismo repetitivo, chacoalhando o pescoço em sua lida de ciscar).
A personagem começa a varrer com mais intensidade, com mais força, como se surgisse um pensamento que a exasperasse e ela traduzisse a raiva em movimentos.
- Droga, e este mundo mais imundo de meu dEUS! Nem tanto há que se limpe que se possa acabar com a sujeira. Ah, galinha desgraçada, tu também és uma sujeira da existência... Sabia que pra te comer, é preciso muito limão, muito vinagre de lavagem? A gente tem que te tirar o sobrecu, enfiando a mão nas tuas entranhas... Mas tem quem come bosta, bosta de verdade, né metáfora não. Tem gente que come teus miúdos, toma teu sangue à cabidela, briga pelo teu pescoço e rói teus ossos. Eca, põe teu pé na sopa... Ai, tô ficando ranzina e lamurienta!
Lá do fundo - das coxias - se ouve o chamado, uma voz gritando pela personagem.
- Maria, ô Mariiiiiiiaaaaaa! Vem timbora, mulher. O arroz vai pegar na panela!
A personagem meio que desperta lá de dentro de si mesma, perdida que estava. Levanta a cabeça e decide. Em seu semblante, está nítida a cara da resolução.
- É hoje e é agora, vou matar esse canalha, como um porco que ele é, e vou fazer um almoço pra chamar aquelazinha dele, a outra. Vou dar ele de comer a todos, a tudo que é gente nessa vila e, mais que tudo, às raparigas todas dele!
Sai resoluta e com um semblante frio de apaziguada.
*************
Cena final. Grande banquete, um caldeirão imenso, umas travessas com pedaços de leitão e, fervendo no caldeirão, um cozido imenso, cheio de entrechos de carne, de ossos e legumes. Cheio de cebolas também. Todos riem e comem, e esperam o dono da casa que, segundo sua esposa, deve vir até o final da tarde...
Pega uma vassoura a um canto e começa a tentar juntar as folhas do quintal, que o vento insiste em espalhar novamente.
(monólogo da personagem, ou talvez ela fale mesmo com sua galinha de estimação)
- Inácia, Inácia, tu que és feliz... a ignorância é uma bênção, um certificado de garantia para se ter alegria descomprometida com a vida. Eita, inferno, como se põe pra fora uma raiva dessa, raiva nascida de amor? Eu devia mesmo era criar uma amnésia e esquecer esse sentimento vagabundo que a gente inventa e alimenta e imagina. Vou cuidar de filhos, vou cuidar da lida, vou capinar e regar e curar das sementes... (vai resmungando baixinho, como se pra si, como se pra galinha inerte, que parece um mecanismo repetitivo, chacoalhando o pescoço em sua lida de ciscar).
A personagem começa a varrer com mais intensidade, com mais força, como se surgisse um pensamento que a exasperasse e ela traduzisse a raiva em movimentos.
- Droga, e este mundo mais imundo de meu dEUS! Nem tanto há que se limpe que se possa acabar com a sujeira. Ah, galinha desgraçada, tu também és uma sujeira da existência... Sabia que pra te comer, é preciso muito limão, muito vinagre de lavagem? A gente tem que te tirar o sobrecu, enfiando a mão nas tuas entranhas... Mas tem quem come bosta, bosta de verdade, né metáfora não. Tem gente que come teus miúdos, toma teu sangue à cabidela, briga pelo teu pescoço e rói teus ossos. Eca, põe teu pé na sopa... Ai, tô ficando ranzina e lamurienta!
Lá do fundo - das coxias - se ouve o chamado, uma voz gritando pela personagem.
- Maria, ô Mariiiiiiiaaaaaa! Vem timbora, mulher. O arroz vai pegar na panela!
A personagem meio que desperta lá de dentro de si mesma, perdida que estava. Levanta a cabeça e decide. Em seu semblante, está nítida a cara da resolução.
- É hoje e é agora, vou matar esse canalha, como um porco que ele é, e vou fazer um almoço pra chamar aquelazinha dele, a outra. Vou dar ele de comer a todos, a tudo que é gente nessa vila e, mais que tudo, às raparigas todas dele!
Sai resoluta e com um semblante frio de apaziguada.
*************
Cena final. Grande banquete, um caldeirão imenso, umas travessas com pedaços de leitão e, fervendo no caldeirão, um cozido imenso, cheio de entrechos de carne, de ossos e legumes. Cheio de cebolas também. Todos riem e comem, e esperam o dono da casa que, segundo sua esposa, deve vir até o final da tarde...
sábado, outubro 24, 2009
luzinhas
lá de longe, um ponto que treme, serve de orientação a quem está à deriva. mas em um assim estado de desespero, qualquer tora de madeira é alento. ai, que vontade de encostar! descansar o peso de um corpo, o próprio, que carrega mais do que sabe de si, que tem uma força desconhecida na hora do pecipício, mais do que no prosaico.
o pequeno gesto da mão na do outro, a atenção ao tropeço e, ao invés do escárnio, uma lanterna de aceno.
a gentileza, que a si mesma gera, reverbera, engendra.
oposta completa à grosseria: esta, suprema forma de desinteligência.
dEUS dos atoleimados, diria Hilda, minha mãe: livrai-me da grosseria. abraçai-me de paciência, que seja ela minha luzinha. amém.
o pequeno gesto da mão na do outro, a atenção ao tropeço e, ao invés do escárnio, uma lanterna de aceno.
a gentileza, que a si mesma gera, reverbera, engendra.
oposta completa à grosseria: esta, suprema forma de desinteligência.
dEUS dos atoleimados, diria Hilda, minha mãe: livrai-me da grosseria. abraçai-me de paciência, que seja ela minha luzinha. amém.
sexta-feira, outubro 23, 2009
da série: pequenos pensamentos de vagalume
quase tudo, sobretudo quando tem corpo e palavra no meio, tem ambiguidade
quase tudo, sobretudo quando tem língua no meio, tem ambiguidade
quase tudo, sobretudo quando tem meio, tem ambiguidade
quase tudo, sobretudo, tem ambiguidade
quase tudo tem ambiguidade
quase quase
tudo tem ambiguidade
tudo tem
quase
tudo
ambiguidade
ao fim e ao cabo:
certeza
quase tudo, sobretudo quando tem língua no meio, tem ambiguidade
quase tudo, sobretudo quando tem meio, tem ambiguidade
quase tudo, sobretudo, tem ambiguidade
quase tudo tem ambiguidade
quase quase
tudo tem ambiguidade
tudo tem
quase
tudo
ambiguidade
ao fim e ao cabo:
certeza
quinta-feira, outubro 22, 2009
da série: pequenos pensamentos de vagalume
sabe o que incomoda os outros? a gente estar em paz. tranquilo, bem ciente do lugar escolhido e assumido, sem se querer provar nada; sem gritos de ordem; sem atos de protesto e reivindicação. a vida se impondo pelo imperioso dela própria, natureza. a vida reconhecendo-se, os amantes se encontrando pelo reconhecimento; os felinos se encontrando pelo cheiro, se identificando pelo roçar dos bigodes. o amor se fazendo por líquidos seminais, pela multiplicidade de encaixes - que foge à capacidade tosca, óbvia e simplória da mediocridade, que teme tanta largueza de mar, que teme tanta liberdade em exercer-se onda, ressaca, calmaria, maré e devoto da lua.
sabe o que incomoda os outros? a incapacidade deles mesmos de se olharem no espelho.
eu, pirilampescamente - luzinha tênue -, acendo o traseiro e dou-lhes de rabo.
sabe o que incomoda os outros? a incapacidade deles mesmos de se olharem no espelho.
eu, pirilampescamente - luzinha tênue -, acendo o traseiro e dou-lhes de rabo.
quarta-feira, outubro 21, 2009
os tropeços esperados
todo mundo tem pereba, só a bailarina que não tem
dizem os versos do trovador buarque...
mas a bailarina tropeça, acorda com o dedo roxo, um derrame que não se sabe de onde nasceu. a bailarina aposentou sapatilhas algumas vezes, depois de vez, depois voltou a ter a cabeça dançando, depois a bailarina começou a envelhecer. diziam que a bailarina não envelhecia nunca, com cara de menina levada, trelosa, sorridente. a bailarina dos cabelos assanhados, dos joelhos ralados, do tênis surrado; a bailarina com cara de moleque. a bailarina começou a envelhecer.
ela ainda acredita em pirilampos e colibris, ainda sonha ipês amarelos floridos, ainda sonha uma plantação de girassóis. ela ainda ama com fidelidade e acredita em envelhecer juntinho. a bailarina ainda não tem cabelos brancos, mas ela começou já a envelhecer. a bailarina não tem filhos, mas tem muitos de quem cuidar, espalhados e agregados ao espaço em volta dela. a bailarina não é encanadora, não é eletricista, não é médica nem veterinária; a bailarina não é mecânica nem sabe 8 línguas. a bailarina frequentou escola clássica, mas não é bem exatamente erudita. a bailarina não é palhaça, mas vive rindo e fazendo rir. a bailarina é criada por duas gatas e uma doninha.
a bailarina começou a envelhecer e continua sendo uma menina.
dizem os versos do trovador buarque...
mas a bailarina tropeça, acorda com o dedo roxo, um derrame que não se sabe de onde nasceu. a bailarina aposentou sapatilhas algumas vezes, depois de vez, depois voltou a ter a cabeça dançando, depois a bailarina começou a envelhecer. diziam que a bailarina não envelhecia nunca, com cara de menina levada, trelosa, sorridente. a bailarina dos cabelos assanhados, dos joelhos ralados, do tênis surrado; a bailarina com cara de moleque. a bailarina começou a envelhecer.
ela ainda acredita em pirilampos e colibris, ainda sonha ipês amarelos floridos, ainda sonha uma plantação de girassóis. ela ainda ama com fidelidade e acredita em envelhecer juntinho. a bailarina ainda não tem cabelos brancos, mas ela começou já a envelhecer. a bailarina não tem filhos, mas tem muitos de quem cuidar, espalhados e agregados ao espaço em volta dela. a bailarina não é encanadora, não é eletricista, não é médica nem veterinária; a bailarina não é mecânica nem sabe 8 línguas. a bailarina frequentou escola clássica, mas não é bem exatamente erudita. a bailarina não é palhaça, mas vive rindo e fazendo rir. a bailarina é criada por duas gatas e uma doninha.
a bailarina começou a envelhecer e continua sendo uma menina.
terça-feira, outubro 20, 2009
para Lelo
todas as cores do dia de hoje
do mais matinal raio de sol
a toda a aquarela de um arco de íris
do olho de artista
que ele, moço-menino
já enverga
numa ciência
sabedória de si
bem talhada no humor
constante
como sorriso de rio
perene
do mais matinal raio de sol
a toda a aquarela de um arco de íris
do olho de artista
que ele, moço-menino
já enverga
numa ciência
sabedória de si
bem talhada no humor
constante
como sorriso de rio
perene
segunda-feira, outubro 19, 2009
exercícios de levitação
acorde-se letargicamente, depois de ter visto vários queridos afetos no dia anterior, tome-se água de coco bem geladinha, coma-se pão francês quentinho com queijo coalho assado, cheio de casquinha crocante. um banho na cria, outro em si mesmo. alguns beijos pra selar o início do dia, e leia-se um verso de manoel de barros...
quinta-feira, outubro 15, 2009
do último anel do círculo de hades
num poço fundo e pardacento de lama, nada da poesia de alice, nada de coelho branquinho atrasado, nada de lógica matemática. queda vertiginosa em chão ao mesmo tempo que fétido e lamacento, duro como rocha cortante, mineral lâmina. esfolado o corpo na queda, nem tempo de limpar as feridas, nem como até, segue-se o sangue mixado de dejetos, e a carne que se putrefaça em festa. água há em abundância além, até demais, no chuveiro que estoura e repõe a lida na ordem do dia. tarefas de lavar, passar, varrer, cuidar, consertar...
o taurino espírito se contrai, relembra as marcas de um passado longe mas à flor da pele e se contorce, querendo ser touro em chifre, músculos e carne, num pasto livre em que reina, pra meter os cornos e dar a quem merece o retorno violento merecido pelas aviltâncias desse tal ente, e agravante mais: o ente agride a própria cria. que mereceria tal estrupício, se não um corno de touro indomável pelo ventre, rasgando-lhe entranhas?
e me perguntam: em quem confias, então? só em mim, única resposta prudente. sei que há uns pouquíssimos outros, muito poucos.
e sigo na paciência impaciente de uma situação de impotência, e lendo/observando/constatando os energúmenos e egocentrados discursos alheios, tão cheios de si que não enxergam o tanto do próprio ridículo ao se colocarem de vítima todo o tempo, escondendo-se sob a máscara de muita segurança, muita verdade lavrada em cartório e uma suposta beleza inquestionável, que a mim nem um pouco encanta...
o taurino espírito se contrai, relembra as marcas de um passado longe mas à flor da pele e se contorce, querendo ser touro em chifre, músculos e carne, num pasto livre em que reina, pra meter os cornos e dar a quem merece o retorno violento merecido pelas aviltâncias desse tal ente, e agravante mais: o ente agride a própria cria. que mereceria tal estrupício, se não um corno de touro indomável pelo ventre, rasgando-lhe entranhas?
e me perguntam: em quem confias, então? só em mim, única resposta prudente. sei que há uns pouquíssimos outros, muito poucos.
e sigo na paciência impaciente de uma situação de impotência, e lendo/observando/constatando os energúmenos e egocentrados discursos alheios, tão cheios de si que não enxergam o tanto do próprio ridículo ao se colocarem de vítima todo o tempo, escondendo-se sob a máscara de muita segurança, muita verdade lavrada em cartório e uma suposta beleza inquestionável, que a mim nem um pouco encanta...
querida professora,
hoje é o seu dia, e como todo dia comercial numa sociedade capitalista e descartalizante (parece que começo com discurso panfletário, não é?), parece ser apenas uma forma de se vender alguma pequena bugiganga bem baratinha (igual ao valor que tua profissão recebe na nossa terrinha brasilis), ou, menos ainda, apenas pra se ter mais um feriado no calendário, um prêmio de consolação. no dia supostamente dedicado a ti, recebes uma merecida folga, distância do ofício, que muitos repetem ser um "sacerdócio": o pároco que tem por prêmio o amor divino, a misericórdia, o serviço ao supremo, mas nem somos sustentados pela "santa madre igreja católica", muito menos recebemos tantos dízimos que sustentam tantos pastores das mais várias seitas mundo afora.
eu, como premiada duas vezes, autônoma, não tenho nem a folga que me caberia neste dia. e nem me faz muita diferença. preferia que mais gente pensasse de verdade no sentido deste ofício, nas trocas, nas escolhas, nos laços e na responsabilidade. não tenho muitos freios na língua, embora escolha deverasmente as palavras (mas por respeito a elas e por imersão esteta na veia da literatura), somente reivindico essa integridade. dá licença, deixem a querida professora exercer-se à vera, como sói aos que têm fígado e intestino com escrúpulos e caráter.
obrigada.
e um bom dia, seja ele qual for, a todos nós.
eu, como premiada duas vezes, autônoma, não tenho nem a folga que me caberia neste dia. e nem me faz muita diferença. preferia que mais gente pensasse de verdade no sentido deste ofício, nas trocas, nas escolhas, nos laços e na responsabilidade. não tenho muitos freios na língua, embora escolha deverasmente as palavras (mas por respeito a elas e por imersão esteta na veia da literatura), somente reivindico essa integridade. dá licença, deixem a querida professora exercer-se à vera, como sói aos que têm fígado e intestino com escrúpulos e caráter.
obrigada.
e um bom dia, seja ele qual for, a todos nós.
segunda-feira, outubro 12, 2009
sobre o amor felino
uma língua áspera
que consegue emitir os mais vários sons
e limpa, como se polindo
as impurezas,
de um olhar que se perdeu
de sua antiga natureza
uma conversa tão vária
em sons e sentidos
que me chama
do pedido de água
à revelação do segredo
mais amigo
me desperta
pelo chamado rouco
e pelas unhas
me acarinha de olhos fechados
em eu te amo me pisca
o miado longo
na sede e na fome
quase um grito
nos resmungos diários
pelo zelo infindo
me vela o sono
me religa ao belo:
devoto elo
que filtra, feito escudo,
todo feitiço, todo mal
não exige nada
está sempre ao lado:
amor incondicional
que consegue emitir os mais vários sons
e limpa, como se polindo
as impurezas,
de um olhar que se perdeu
de sua antiga natureza
uma conversa tão vária
em sons e sentidos
que me chama
do pedido de água
à revelação do segredo
mais amigo
me desperta
pelo chamado rouco
e pelas unhas
me acarinha de olhos fechados
em eu te amo me pisca
o miado longo
na sede e na fome
quase um grito
nos resmungos diários
pelo zelo infindo
me vela o sono
me religa ao belo:
devoto elo
que filtra, feito escudo,
todo feitiço, todo mal
não exige nada
está sempre ao lado:
amor incondicional
quinta-feira, outubro 08, 2009
08 de outubro
dia de aniversário, da avó. em 2009, ano corrente: ela acaba de fazer 95 anos.
sorri, muito, faz questão de estar muito perfumada, limpa, de roupa nova e combinando. olha muito pro sapato, e diz: bonito. parece até que fala de outra pessoa. passou muitos minutos abraçada comigo, enquanto eu a "arrumava". dizia: bonita. falava mesmo de mim, de outra pessoa que não dela mesma? creio que sim.
e queria falar uma frase inteira, mas só saía: ahhh, ahhh. traiçoeiro cérebro, na área da linguagem, resolveu despedir-se por primeiro.
minha madrinha liga, filha dela, da avó. ao telefone, a agonia parece maior. não flui mais uma conversa. como se ela desistisse.
cheirosa, plácida, sentada. o sorriso e os olhos são a fala. a que resta.
enfim.
sorri, muito, faz questão de estar muito perfumada, limpa, de roupa nova e combinando. olha muito pro sapato, e diz: bonito. parece até que fala de outra pessoa. passou muitos minutos abraçada comigo, enquanto eu a "arrumava". dizia: bonita. falava mesmo de mim, de outra pessoa que não dela mesma? creio que sim.
e queria falar uma frase inteira, mas só saía: ahhh, ahhh. traiçoeiro cérebro, na área da linguagem, resolveu despedir-se por primeiro.
minha madrinha liga, filha dela, da avó. ao telefone, a agonia parece maior. não flui mais uma conversa. como se ela desistisse.
cheirosa, plácida, sentada. o sorriso e os olhos são a fala. a que resta.
enfim.
terça-feira, outubro 06, 2009
epístola aos incréus
de uma cidade que inventei para mim, aos 06 dias do mês de outubro do ano de 2009.
caros que me leiam,
porque aqui vieram conscientes e convictos de que buscavam palavras por mim escolhidas e arrumadas, ou porque aqui chegaram por essas obras do que se diz acaso... falei já algumas vezes esta semana: "dEUS está nas coincidências", quem assim arrumou tais palavras (das quais me aproprio) foi Nélson Rodrigues, obrigada a ele.
e se supremo urdidor morada se constrói justamente no que nos soa como obra do inaudito, do imprevisto, do que parece casual, penso nos astros, penso em stela, minha amiga das estrelas, e em cacá e alcides, que por ela também me chegaram como presente. e penso nas sinastrias, e penso por que me coube ser justamente a humana de estimação de zureta e nina (minhas felinas donas) e alegro-me de não saber todos os desígnios desse largo espaço temporal, ao mesmo tempo tão curto, em que nos cabe deambular pelo mundo.
resolvo, apenas, dedicar minutos dos meus pensamentinhos, como reza funda e devota, àqueles que me fizeram e fazem crer: os eleitos do amor de toda sorte, que no fundo é uma só; minhas raízes, minhas folhas e meus frutos, meus galhos pela vida.
dedico-me aqui aos amigos, que podem ser irmãos, pais, sobrinhos. ao avô, minha pedra fundacional. ao primeiro corte em minha carne tão criança, que me faz buscar a cura desde desde e encontrar os bálsamos em cada abraço e encontro de almas, em cada giro de astros, em cada cuidado mais mínimo. em cada pedacinho.
caros que me leiam,
porque aqui vieram conscientes e convictos de que buscavam palavras por mim escolhidas e arrumadas, ou porque aqui chegaram por essas obras do que se diz acaso... falei já algumas vezes esta semana: "dEUS está nas coincidências", quem assim arrumou tais palavras (das quais me aproprio) foi Nélson Rodrigues, obrigada a ele.
e se supremo urdidor morada se constrói justamente no que nos soa como obra do inaudito, do imprevisto, do que parece casual, penso nos astros, penso em stela, minha amiga das estrelas, e em cacá e alcides, que por ela também me chegaram como presente. e penso nas sinastrias, e penso por que me coube ser justamente a humana de estimação de zureta e nina (minhas felinas donas) e alegro-me de não saber todos os desígnios desse largo espaço temporal, ao mesmo tempo tão curto, em que nos cabe deambular pelo mundo.
resolvo, apenas, dedicar minutos dos meus pensamentinhos, como reza funda e devota, àqueles que me fizeram e fazem crer: os eleitos do amor de toda sorte, que no fundo é uma só; minhas raízes, minhas folhas e meus frutos, meus galhos pela vida.
dedico-me aqui aos amigos, que podem ser irmãos, pais, sobrinhos. ao avô, minha pedra fundacional. ao primeiro corte em minha carne tão criança, que me faz buscar a cura desde desde e encontrar os bálsamos em cada abraço e encontro de almas, em cada giro de astros, em cada cuidado mais mínimo. em cada pedacinho.
sábado, outubro 03, 2009
pendular
a luz no canto se insinua, amarela e tênue. entra mais por uma das várias frestas da porta, que é vazada, por uma parte superior de basculhantes de vidro, pelos quais o vento põe movimentos nos tecidos e papeis espalhados dentro da casa. como se anunciasse o dia a vir e anunciando a entrada do visitante sempre provável, nunca com precisa hora marcada.
os habitantes já se fizeram afeitos a uma rotina espacial, às sinestesias que compõem a galeria de sentidos do lugar. os visitantes chegam e esperam convite de entrada, às vezes, é tão natural que parece uma entrada sem permissão, explícita. mas adentram e precisam acomodar os olhos à nova luz; às novas dimensões; cheiros; percursos; sons.
a cada passo dado, a cada vão de coração preenchido: movimentos de idas e vindas.
é preciso transpor os cortes, nadar braçadas de mar, se reinventar.
(para o moço alexandre, recém reconhecido amigo de longa data, de alma)
os habitantes já se fizeram afeitos a uma rotina espacial, às sinestesias que compõem a galeria de sentidos do lugar. os visitantes chegam e esperam convite de entrada, às vezes, é tão natural que parece uma entrada sem permissão, explícita. mas adentram e precisam acomodar os olhos à nova luz; às novas dimensões; cheiros; percursos; sons.
a cada passo dado, a cada vão de coração preenchido: movimentos de idas e vindas.
é preciso transpor os cortes, nadar braçadas de mar, se reinventar.
(para o moço alexandre, recém reconhecido amigo de longa data, de alma)
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