quarta-feira, novembro 29, 2006

mundo claudicante

de quantos passos precisam os homens para perceberem que caminham curupiras, marcha a ré, no pior dos sentidos? hoje me foi dita uma reflexão iluminada: um maior invento, de tecnologia mesmo, dos homens foi o livro. e é verdade. mas ninguém o cobiça. não se vêem roubos de livros, não se vêem reais hábitos de intimidade disseminada com o livro. passam-se horas à frente do computador. isso, sim, parece ser atitude de quem se modernizou. saia de casa com um livro. terá a melhor das companhias em qualquer lugar, mas não invista tanto em tênis, relógios, sobretudo celulares. essas são tecnologias de atraso humano.
tecnologia demasiada na modernidade consumista, em coquetel com deseducação generalizada de país periférico só nos leva a guerra civil camuflada de cenário comum de metrópole...
saudade do tempo de império da imprensa quando no sentido de Gutemberg, aquele sujeito que inventou um modo de imprimir. não a época da mídia, essa é uma babel de loucos.
saudade do tempo dos livros. será que de lagarta estou em metamorfose de traça?
há certa semelhança...

quarta-feira, novembro 22, 2006

lagartas têm olhos fundos

talvez o contraste de tanto estarem no escuro do casulo com a luminosidade externa; ou uma insônia que as acometa em seu aparente sono de virarem borboletas (espécie de hibernação?): as lagartas têm olheiras...

segunda-feira, novembro 20, 2006

sobre (a)dimensões

tem dias que o corpo da gente acorda menor. é isso mesmo, encolhido. segundo a biologia, as pessoas devem medir sua altura, a do seu corpo, sempre pela manhã. porque se está do tamanho certo que se é. as pessoas encolhem alguns centímetros ao longo do dia. curvam-se, sofrem a gravidade. de manhã, o corpo está descansado, passou horas na posição horizontal, com os músculos relaxados. mesmo assim, tem dias que o corpo da gente acorda menor.
pode ser porque a alma alargou-se sonhando. pode ser porque os sonhos oprimiram aquele corpo, sendo eles uma expansão apenas do inconsciente projetivo, recalcado, guardado. desejos ilibertos, fingindo-se liberar na mente. espécie de encolhimento. tem dias que o corpo da gente acorda menor. (e isso nem é uma tragédia...)

quinta-feira, novembro 16, 2006

da terra do sono

quando as lagartas dormem, casulo resguardado da luz, o mundo resta desprovido de maciez, de seda. mas as lagartas sonham suavidades, matéria da qual são íntimas e afeitas. a fealdade é real dos homens, e suas manias de interpretações impositivas, partindo de uma equivocada noção de imitação, mimésis... quanta tolice.

segunda-feira, novembro 13, 2006

primeiras breves dúvidas de uma lagarta infante

uma existência tão transformista quanto a sina de uma lagarta, sempre ser em trânsito, nos mais vários níveis (de casulo ao espaço aberto; de pés vários a par de asas; de fios de baba a busca de pólen; de certa recepção repugnante do mundo à admiração quase completa), só pode ser conformada a partir de serezinhos questionantes. a lagarta, ainda infante, perguntava-se: mas e se eu, por acaso, não for eu? ou seja, quer dizer: se eu sou outro ser que me esqueci de mim e um belo dia me troquei com alguém e vim parar aqui neste casulo? por que eu nasci exatamente eu e não qualquer outro bicho, coisa, pessoa? eu não existindo, que mudanças haveria na dinâmica do mundo, com a minha ausência? importa que eu saiba quem sou? ou se sou eu mesma, certa em mim? porque se eu estiver errada em mim e eu não for eu, além de eu estar usurpando o lugar de outrem, estarei desordenando o mundo. mas qual a ordem que o mundo tem, se não uma lógica de avessos e atropelos! melhor seguir lagarta-eu, em meu casulo, fazendo fios de seda com minha saliva: nobre função de pré-vôo...

sábado, novembro 11, 2006

ciclos

são realidade das mais intimamente conhecidas no mundo das lagartas. elas próprias, uma espécie de ser cíclico. mas seria o ciclo repetidas vezes uma espécie de moto-contínuo? no caso dos que o encerram depois de tê-lo vivido devidamente, não creio. uma espiral é a figura: dá-se voltas da roda gigante das parcas, mas sempre se passa diferente pelo suposto mesmo ponto, não em círculos.
isso é também uma didática da lagarta.

sexta-feira, novembro 10, 2006

a espera mais sentida

eu já achava (pra gente ver que num sabe medir bem, porque as medidas sempre acham modo de ultrapassar a capacidade dos instrumentos aferidores) que conhecera deveras os tantos e trâmites das esperas, de modo tal, que julgava-as todas apreendidas. seria fácil lidar com qualquer uma delas, tendo já vivido a espera de uma briga para reverter-se da imobilidade ao deslocamento. depois, vieram algumas outras, menores, que reforçavam minha certeza de especialista em esperas. depois, vieram os tais seis anos, que se constituíram uma espera, mas muito diversa: salpicada de certezas e prazeres, mesmo que com tropeços. e eu seguia, lagarta convicta de saber-se boa esperadora. mas agora uns "meros" quase cinco meses puxaram o tapete da lagarta (que tem muitas perninhas, como uma espécie de embuá, centopéia - todos rastejantes com multi-pés). descobri que a paciência é o segredo. ela ficou mais alimentada, sobretudo no casulo, dentro. e descobri que a paciência é um dos nutrientes do amor, como também o vice-versa: segredo de magia. é-se paciente, mesmo na urgência do desejo, do frio, da fome e da dor, quando se ama sem medida. quando se ama, deitado no oito, ele também deitadinho: conforto de saber intrínseco.
como eu a ti,
tua lagartinha.
espero pra trocar de muitos pés em duas asas. quantidade múltipla e vária, que ao chão prende e arrasta; por um par de céu...

quinta-feira, novembro 09, 2006

vulnerabilidades

as vezes a lagarta queria mesmo deslocar-se feito tartaruga, cágado, jabuti, caramujo, ostra... desses seres que levam em si a própria casa. podem se deslocar, mas estão sempre em seu próprio abrigo, extensão e deslocamento aliados. a violência é uma violência. a invasão, o sentimento de ver-se vulnerável, indefeso, inseguro, exposto... uma cidade humana é uma descivilização. certa está a corte de ratos de Copi, ao dizer-se usurpada pelos homens. que infame raça...

terça-feira, novembro 07, 2006

sobre estar assim apartado: a saudade

dentro do casulo, a saudade é úmida. como um vão escondido, de debaixo da escada onde a goteira mofa a madeira, deixando-a casa de fungos. o verde tão lindo, é deterioração. o casulo de dois, quando com um só, é estranheza. útero ao avesso, espinhoso, expulsando pelo desreconhecimento. o silêncio é diverso; os sons são diversos; os cheiros que faltam; os suores dos encontros e enlaces; o cotidiano estéril de esperar o par... dentro do casulo, a saudade é úmida como um choro que já nem grita, uiva plangente.

segunda-feira, novembro 06, 2006

despertar

é quando se volta do mergulho no sono. mas é também quando se abrem os olhos e os ouvidos do juízo, do espírito, da casa. quando se curam traumas, não varridos para o subsolo dos tapetes, muito menos para os vãos do pensamento: quando se os tatua na pele primeira e se os sabe cicatrizes apaziguadas.
mas nada disso antes de um imenso bocejo, um espreguiçamento de todas as patas e um quente abandono de urina...
o único despertar anterior a essa fisiologia imperiosa é o tatear do corpo dormente ao lado, cúmplice de sono, e a busca do beijo de saber-se bom dia.

domingo, novembro 05, 2006

a didática da lagarta

a maior descoberta da lagarta foi quando ela se viu consciente da imensa diferença entre rastejar e voar. a lagarta tem estes dois aprendizados, porque voa, quando metamorfoseada. veja só, que dois extremos tão distintos para um mesmo ente aprender, e mesmo aprendido, ter que se expandir limitado a cada um deles em sua estação de vida, porque não pode simplesmente alterná-los a cada vez que queira. a lagarta vai se fazendo sabedoura de miúdas coisas, que muito importam.

advertência

escritos em desordem talvez apenas estejam obedecendo a uma outra ordem, subjacente, mais orgânica...

breve diálogo lunático

convite da lua, cheia, à lagarta (quando esta voltava pra casa, e espiava a lua, em seu percurso de subida ao céu): "vamos a uma festa, lagarta! é à fantasia!" "e vais de quê, ô, lua?" "de hóstia consagrada, não vês? só que pus açúcar, não creio que o corpo do cristo fosse ser assim desprovido de gosto..." (quem acusaria a lua de herege?). a lagarta voltou pro casulo, pois tinha compromisso...

... mas encontrou no caminho um pirilampo. e concluiu que seria a lua, agora, sua particular estrela de belém.

drágeas homeopáticas

um imenso silêncio, como amálgama de sons vários que remetem todos a uma mesma dor, que é ela mesma fruto de uma incapacidade terceira...

e a lagarta, nesta temporada, permanecerá no casulo. rebelde ao suposto curso natural não sairá a borboletear, porque recebeu uma visita inesperada e inoportuna...

querido maestro, diz a lagarta ao ampulheto, certos sacrifícios não valem o abandono do casulo; certos outros não valem as asas da borboleta. e as vezes, no meio-termo, só resta a queda livre, o abraço do ar a asas inertes.

sábado, novembro 04, 2006

o porquê de uma lagarta...

Sonhando borboletas furtacores


É delas que nasce o ovo, muitos. Depois vêm os bichos-da-seda, é assim mesmo que se chamam as lagartas, que vêm das borboletas (e não o contrário). As lagartas vêm depois dos ovos, e viram crisálidas, depois que fazem a seda e dela uma casa. Só depois de dormir e virar crisálida, dentro do casulo, elas saem borboletas. A borboleta é um primeiro travesti da natureza.
Ontem eu aprendi que tudo vem do mar, segundo uma amiga. Então, quem veio primeiro: o ovo ou a galinha? A lagarta ou a borboleta? A resposta é sempre: o mar. E todos vieram do mar. Achei um alumbramento isso.
Voltando ao fio, da seda. Assim é chamada a baba da lagarta: uma secreção de filamentos com os quais constrói sua macia e cômoda habitação. A lagarta é uma primeira costureira da natureza. E mora, estilista de moda, na sua própria veste. O mundo da costura, dos ornamentos e das vestes: é um mundo de câmbio, de travestimento, de transformação. A engenharia do casulo leva de três a cinco dias para se encerrar, e a lagarta lá se encerra, também. imersa completa, lá dentro, outra transformação: vira crisálida. Lindo nome: crisálida, uma personagem e tanto. Mas crisálida é ser em transição, só é lá dentro, no oco do casulo. Quando ao mundo se abre, já foi passagem, não é mais. A borboleta nasce.
Parênteses: homens acham-se os reis da natureza, inventores da costura e da moda. São larápios que “fazem” a seda pelo roubo da casa alheia. Pilham casulos. A colheita da seda encena uma pequena e imensa tragédia: a manufatura de uma única peça representa a morte de milhares de borboletas futuras.
Voltando à trança, da seda. As etapas do processo de criação da seda usurpada: os casulos são mergulhados em um recipiente com água quente, para matar a crisálida e amolecê-los (é que eles têm uma espécie de goma, que cola os fios uns nos outros). Depois, com uma espécie de pincel, vão-se girando os casulos, apanhando as pontas dos fios e desenrolando-os gradualmente. O processo se resume em desmanchar o trabalho feito pela lagarta. Os fios desenrolados vão sendo enrolados em uma roda, formando uma meada. As meadas são lavadas em água quente, batidas e purificadas com ácidos. Sucessivas lavagens depois, a seda é secada e as meadas são desembaraçadas e penteadas, obtendo-se fios macios e iguais. Pronta a matéria para a tecelagem, a humana.
Não gosto dessa matança de borboletas. Devíamos criar bichos-da-seda, pela beleza que eles são. Sim, lagartas são bonitas, mesmo antes de borboletas. Lagartas comem folhas de amoras, eis sua dieta predileta. Pode algo ser mais poético? Um mundo de amoras, onde lagartas se arrastam, fazem casulos e borboleteiam. O mundo seria um grande estômago repleto de borboletas: sintoma de amor.
Assim caminho pelas palavras, ou melhor, esvoaço por entre elas. Quando me alumbram, de encantamento mesmo, assim: vagalumes de Guimarães Rosa; rutilâncias de Hilda Hilst; labirintos de Borges e Cortázar; pirilampos pelos versos pelas prosas, luminâncias barrocas de Néstor Perlongher; os fios que tece Copi e não pára, não se cortam, vão contínuos numa veste que se transveste, que é transgênero... Uma lista que se renova de somas, borboletas parindo outras borboletas que nascem de casulos, que por sua vez nasceram do ovo da borboleta, que vira lagarta e depois crisálida e depois, enfim, de novo, borboleta.
A borboleta inventa ela mesma! Ah, um outro nome pra borboleta é ropalóceros. E eu achei isso um achado, um aprendido de som, bonito: uma proparoxítona enigmática que roça de sons na nossa garganta e tem um pulo bem no meio: ro-pa-LÓ-ce-ros. Talvez o fascínio das donas do nome (as borboletas e o que elas inventam, e o pó de pirlimpimpim que elas largam quando voam), ou a seda que elas babam, quando lagarteando, ou mesmo o fascínio da ignorância de um nome bonito, que a gente até demora pra decorar. Ah, gostei do nome, e pronto!