quinta-feira, abril 29, 2010

abril que veio, abril que vai...





só num galope desbragado é que, sem poder nos dar contar, percebemos o quanto é implacável o escorrer do tempo, e inventamos os dias e as horas e os calendários...

imagem: "A Mask Tolls The Knell"
(from Series to Edgar Poe)
1882, lithograph - ODILON REDON

sexta-feira, abril 23, 2010

O que você quer ser quando crescer?




Brincadeirinha das mais saudáveis no processo de lúdico conhecimento de si, despressentido ainda, para uma criança. A perguntinha "clássica" nos vem dos mais vários interlocutores: pais, "tia" das escola, tios e primos, amiguinhos... E tantos são os futuros: bombeiros, veterinários, bailarinas, caixas de supermercado (sim, meu irmão mais novo queria ser um), cantores... até médicos. Por que friso, por fim, o até médicos? Porque me causa espécie ver que, em uma distância de tão poucas gerações, entre meus amiguinhos e irmãos apareciam os que queriam ser médicos quando crescessem, apenas pelo lúdico de se brincar assim, sem as desculpas sexuais que também envolvem a expressão "brincar de médico". Sem puritanismos, meu dEUS! Mas como me assustam as escolhas destas novas geraçõezinhas, com quem lido há tanto tempo. Agora, todos querem ser médicos, mesmo os que já se formaram fisioterapeutas, enfermeiros, matemáticos até... E a outra metade quer "fazer direito"! Assim mesmo, nem é "ser advogado", mas ter diploma de bacharel em direito pra fazer concurso público.
Ai, meu são falecimento lúcido, valei-me Renato Russo: "Que país é este?" Doutores semi-deuses da medicina, porque só eles são profissionais "valorizados" e todos os outros que "os auxiliam" na área de saúde são subalternos que recebem, financeiramente, piso de remuneração muito mais baixo e, por isso, se sentem desvalorizados; ou de "doutores" bacharéis em direito (Doutor é quem tem Doutorado, óbvio assim), que nunca advogaram, mal sabem o que significa filosofia do direito ou justiça e apenas são funcionários públicos com perversa estabilidade, que acaba funcionando como "estagnação", e altos salários, cuja compensação é apenas o consumo. E salve a Tuckson" (Aquele carrão importado que parece um furgão e engarrafa a cidade, atropelando pedestres e ciclistas).

Me deu nostalgia e assumo! Viva a minha pequena trupe vital, na qual habitam bailarinos, palhaços, atores, cabeleireiros, jardineiros, fisioterapeutas, cineastas, costureiros, músicos, plantas, bicicletas e gatos, muitos gatos!

Eu queria ser bailarina, escritora ou professora (na verdade, os três), quando crescesse... Continuo sendo isso, na dança exercendo a pesquisa e a criação; na labuta diária, exercendo o magistério e, na vida, entranhada na escrita. Salve Jeová as gerações vindouras!, que ainda possam sonhar e brincar de "o que você quer ser quando crescer?"

Se não, quem valerá por nós na hora de uma reles pia entupida?

segunda-feira, abril 19, 2010

fragmentos de uma conversa...





sabe um dos melhores amigos que já fiz no meu bairro novo?
o funcionário da emlurb que sempre limpa por aqui, com aqueles carrinhos e farda vermelhinha.
é um negro lindo, de meia idade, chamado Tião; de Sebastião, suponho...
nos vemos todo dia, várias vezes, quando passo de bicicleta ou a pé.
outro dia, saí de carro, e ele estava sentado na sombra, descansando um pouco. aí, encostei o carro pra dar um oi.
ele ficou todo emocionado...
"mas eu que me aproveito de tu", eu disse. vivo te perguntando as coisas!
pergunto a ele tudo que é planta que aparece no caminho e não conheço...

eu costumo prestar atenção, justamente, no detalhe, no "despressentido". é onde moram essências.


imagem: Diálogo IX, de José Roberto Aguilar (1966)

urbe, pólis, aldeia...


com a licença do senhor, vou desabafar umas saudades e umas estupefações, do que guardo no meu embornal de lembranças. muitos passeios aos teus pés, que se costumam chamar raízes, quando tão perto do cais de santa rita, onde viviam os avós paternos. aprender os itinerários dos ônibus, e o traçado das estreitas ruas, caminhar até os sebos ou ir à nezita (comprar roupas e apetrechos pra vida de bailarina). de melquizedec o presente maior: o grande sertão, em sua primeira edição. pulava as raízes, rodopiava pensando em quando estrearia a vida de artista no santa isabel (o que se cumpriu alguns anos depois). e os medos eram tão menores, e as janelas dos carros (em tão espantoso menor número, que não empacavam toda a cidade) viviam abertas ao vento. o temor era errar o ônibus e ter que andar beeeeemm mais, principalmente na minha tenra fase de míope que ainda não queria usar integralmente os óculos. quantos torre(s) tomados em lugar do(s) brejo(s), ambos de fachada laranja, logo ao pé do clube português. às vezes, preferia ir para av beberibe, havia menos chance de equívoco ao tomar a lotação...
lembro do grande trauma do quase assalto, quando um molecote tentou puxar-me os óculos de grau que eu admitira (pela mais absoluta e imperiosa necessidade) usar todo o tempo (até pra tomar banho!). e foi tão simples barganhar: menino, bota isso na tua cara, pra ver se tu enxerga alguma coisa! se tu me roubar os óculos, eu nem pra casa volto!
lúdica contenda de idos tempos, não tanto na cronologia aritmética simples, mas na verticalização assassina uma infinidade. eu quero mesmo é uma suposta (in)volução, que este caminho pra virar de urbe a pólis, ou pior, metrópole me deixa parva e cansada e tonta e cada vez mais amante de felinos e espécies mais evoluídas, do que dessa raça dita humana. eu quero mesmo, e por isso vivo numa casa, sem cerca elétrica e sem muros imensos, com cadeira na calçada, é que o recife aldeia de onde vim seja o lugar que habito.


imagem:static.panoramio.com/photos/original/812076.jpg

sexta-feira, abril 16, 2010

sons que me movem




o primeiro e mais forte deles é o barulhinho do mar, quando a gente senta numa sombra de fim de sol, mãos na areia fria e consegue apenas concentrar-se no próprio diafragma. nessa exata hora, o mar chama, com seus amavios de encantos e abraços líquidos.

e fui aprendendo de tantos outros sons, o bem-te-vi e suas amigas jandaias, que todo dia, às 5h e às 17h faziam sinfonias na janela de onde eu antes vivia, na rua sem saída.


antes ainda disso, que memória não segue cronologia aritmética, me danava escadas abaixo, correndo, quando o amigo vendedor de algodão doce (daquele das carrocinhas que fazem na hora e acumulam um delicioso açúcar queimado nas bordas) soltava seu apito. tanto do tal açúcar me era dado de presente, logo a mim, que mal comprava o algodão doce...

e a música de Scot Joplin, Ragtime, que fazia uivar meu companheiro Kalino.

o assovio lá longe, jeito outro de meu nome, só meu: que assim me chamava o avô.

e música, sempre. o pai e o aprendizado dos eruditos: meu pai me deu Bach de presente, meu olho ainda se verte quando nisso ponho o pensar, e o ouvido do juízo, imediatamente, me traz de volta o som.

fui trocando com o pai esse gostar. ensinei a ele: jazz, blues. dei de presente a ele john coltrane, ella fitzgerald...

"olha pro céu, meu amor, vê como ele tá 'rindo'..." era assim que eu cantava, com o avô. uma bagunça esse relato de remembranças aqui. tão longe vai meu juízo nessa perquirição e lembro as sonatas pra cello, do mesmo Bach, Pablo Casals. Depois, tantos tantos. E a pergunta: "ô, pai, como é o peixe pau??" ele, atônito e rindo, quer saber de onde tirei isso...
da música que Elis Regina canta: "Cai o peixe ouro, cai o peixe espada, cai o peixe pau!!" (Na verdade é 'rei' em lugar de peixe, e a música é Cartomante, de ivan lins).

e continuo caminhando, com tantos sons e vozes e cheiros que me soam. e aprendendo mais e mais a ouvir o silêncio, que nos educa pras memórias auditivas e sinestésicas.

domingo, abril 11, 2010

mãos de fiandeira




todo dia, no exercício de escoar a si mesma o tempo, com a delicadeza de quem se vela, mantinha o hábito de dedilhar o piano, de inventar afazeres manuais (basculhos de enfeitar, sabonetes pintados em desenhos miniaturas, flores de sabonete, velas) e, sobretudo, costumava criar guloseimas (tortas, bolos, docinhos) e fiar fiar fiar... tinha almofada de renda de bilros, gostava de tudo à antiga forma de procedimento, da que se planta da semente e se zela até o germinar.
assim era que fazia as roupas para os netos do aproveitamento das sacas de algodão tão alvo que lhe trazia o marido, já tão cioso índio que era, das sucatas de sua lida com o açúcar...
e pra neta muito alva fazia maior especiaria: tingia o costurado, pra menina não restar tão sempre de uma só cor branca.
hoje começa a memória remota a assaltar as palavras poucas. a saudade e o atraso pra reencontrar o afeto de mais de cinquenta anos de vida comum, a saudade da terra dos doces (natal) e a invocação materna: infante ponta que se religa.
mas as mãos permanecem hábeis, agora, mesmo mais lentas, mas sem artrose e peritas em fazer cafunés...

imagem: A Fiandeira, de Van Gogh

segunda-feira, abril 05, 2010

a cada dia o seu cuidado




aprendendo a respirar fundo e sem pressa, na exata medida de plenos pulmões e cura das maleitas que se acumulam numa lida. a dose sábia homeopaticamente administrada: e a corrida para, espantando um intruso, preservar o bem do próprio clã. guarita montada, esguicho de água em punho: arma bastante.
e a espera de que cada semente e cada pequena muda, em seu próprio tempo, se vá fazendo viço e fruto.
como quem come todo dia apenas o necessário, nada além: a justa dose de vida se suga do beijo matinal que alimenta os caminhos, quando se bifurcam, para logo mais se reencontrarem, no outro renovado beijo, que sela o retorno ao lar.


imagem em: http://espiritosolido.blogspot.com