terça-feira, fevereiro 23, 2010

brainstorm





as vezes vivências passadas, sobretudo as mais traumáticas, insistem em bater-nos à mente. a sensação é de uma tormenta de memórias embaçadas e embaralhadas a ponto tal, que descanso as duas mãos sobre o teclado, como a sentir e invocar o desejo de conseguir que elas se movam eficazmente, construindo as devidas palavras que traduzam as imagens, palavras, cheiros, sons a assaltar os sentidos.
e quase instintivamente, a personagem se vê abrindo antigas correspondências, daqueles que tiveram forte passagem em sua vida e saíram de forma um tanto brusca, ou ainda nela estão (mas com uma distância herdada da mudança no registro da relação). e começa a julgar-se, implacavelmente. pensa na provação pela qual está passando, pensa se a merece, se a fez por merecer. pensa nos possíveis maiores significados que existam no funcionar das engrenagens do universo para que assim esteja vivendo.
o quanto de prudência e planejamento sempre teve; a forma generosa de relacionar-se, a disponibilidade: tudo isso em choque com a sensação de isolamento, uma timidez não pressentida por terceiros, uma viga fincada no estômago.

a personagem tenta um fluxo de consciência, mas as palavras escapam. a personagem tenta chamar a atenção do narrador supostamente onisciente, mas que parece nem conhecê-la, de tão distante que está de perceber o que vai pela mente dela, suas angústias e seus temores.
o narrador a pinta, com sua autoridade de conhecedor total, como plácida, tranquila e contente. quando o que ela sente é medo, até de mover-se.

invoca, ela, até o seu criador: pergunta se ele se assume como narrador, ou se disfarçou-se em uma segunda instância criadora (o narrador, uma criatura-criadora produzida pelo que escreve).

ninguém ousa respondê-la. ou ninguém a escuta, tão absortos estão os dois (ou um só? narrador e escritor) que a julgam impiedosamente sem ouvi-la, ao menos?

a personagem, então, ao não conseguir a solidariedade daqueles que a tecem, decide pelo mergulho nas fundas águas de suas vivências passadas, negando-se a fazer coerência com os atos e supostos pensamentos a ela impingidos. a personagem abraça um silêncio que obriga o papel a permanecer branco. a personagem contamina autor e narrador com um bloqueio criativo, enquanto busca, ela mesma, as palavras que talvez possam traduzi-la...

(imagem: cena do filme kasaba, de Nuri Bilge Ceylan, fotógrafo e cineasta turco)

2 comentários:

AMARela Cavalcanti disse...

ô amora. pensei tanto em mim e na minha vida neste momento lendo este post.
é uma verdadeira tempetade!

tão bom ter te visto ontem =)

beijos de gato!

lagarta disse...

oi, amarelinha. que bom ter sido alento ontem, na tempestade.
o jeito melhor é ver a beleza que pode se despender desses momentos, apesar da tormenta.
beijos de gato.