sábado, dezembro 19, 2009

lagarta migrante

uma lagarta em migração, nomadizando-se para se enraizar novamente. eis uma ave migrante que carrega o próprio casulo, mas precisa desfazer-se de muitas cascas e de muita bagagem acumulada, pra ocupar novo casulo.
afundar e sair dos buracos negros do cotidiano anos a fio acumulado, pra de lá sair com alma mais leve, limpa, depois de um exercício do desapego, com muito mais resíduo no lixo que nas costas! e um respiro fundo e leve, pra começar a partida e prometendo-se não acumular mais tanto. como resolução de ano novo, que se faz como baliza, e finca-se em alguma pequena porcentagem, mas nunca em grandes montantes. e sabe-se que daqui a mais uns 10 anos haverá mais pilhas de guardados...

sábado, dezembro 12, 2009

bichos de goiaba

por que tanto querem a si mesmos, quando sabem que não existe absoluta autonomia?

por que se deixam depender tanto, quando se sabe que é sempre preciso o impulso de cada um pro giro da roda?

por que as fotos amareladas materializam tão mais a saudade? é amarela a cor do tempo transcorrido?

e o mundo humano nos tira do tato em mais ampla superficie, nos priva mais do olfato, nos encarcera na luz, na visão, por vezes na audição que confundem, que cegam, que ludibriam...
passagem de ida e volta constante, entre alegria e tristeza: um tango.

p.s.: trilha sonora tão vasta...

sexta-feira, dezembro 11, 2009

em sentido

em galhos soltos
que do lastro se esgarçaram
prendo-me a outros braços
de rio revolto
caudalosas margens
numa amplidão de voo fundo
que se deixa conduzir
como deriva


e também oscilo
como fogo-fátuo
esperando
os vagalumes que me guiem
pois a muita luz me abunda
e ofusca o suave olfato
do que pisca leve
quase não soa
e abraça quente
como neve

domingo, dezembro 06, 2009

da arte de ser sombra


monstro, silhueta ou fantasmagoria?
fantasia ou alter ego?
disfarce ou necessidade?
autoecologia, preservação de si e da própria espécie, hibridismo e mimetismo, função de locomoção astral, travestismo e candomblé.
invenção e engenho, arte e magia.

um copo de água bem gelada...

estado de suspensão da matéria

era à vera como queria estar. mas estou numa espécie de. tanta função, que vou no automático, como se tropeçando no cumprimento das tarefas sobrepostas, emendadas, embaralhadas, fundidas...
e sempre lá no fundo um gosto travoso de quando o filtro se retorce e o café vem com a borra do pó, entalando a glote, irritando-a e propondo uma tosse incômoda, particularmente aos portadores da síndrome do refluxo. muito prazer!
paira em mim, por vezes, a sensação de precisar aprender da autopreservação um tanto muito mais que apenas o manual mínimo de sobrevivência... mais corda bamba, mais responsabilidades, mais ônus: êpahei, e vamos nós.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

sobre essa hora em que tudo é saudade

uma noite em que pesadelos seguidos não me deixavam dormir. e era uma noite em que cheguei como quem volta de uma longa guerra, de corpo pesado e pálpebras que não se sustentam, mas o sono não se conciliava com algo que insistia em sobressaltar-me. o organismo pressente o que a mente não delineia em claro verbo...
e de manhã, a notícia é que seria o dia da despedida física tão esperada... quantas vezes imaginei como seria este dia, a força necessária pra ser ombro; a última vez de pôr os olhos e pedir, como oração, a bênção; os trâmites burocráticos e arrastados que cabem a quem fica. ao menos, o consolo quando fiz a pergunta: - foi uma morte linda. dito pela enfermeira que a acompanhava no exato momento. disse-me que foi exatamente o último fundo suspiro e os olhinhos se fecharam. tomou-lhe o pulso já ciente, tinha-se deixado ir, enfim. a velhinha, dona Aderitinha, minha avó a quem encontrei já neta adulta, que me adotou e me dava a bênção e me olhava austera mas cheia de um carinho tão nítido. mistura de alívio, pela partida de quem aqui já apenas sofria e era um passarinho atado ao leito de hospital domiciliar, encolhidinha e com mãos que nem se abriam mais, nem falava mais, para contar suas infindas histórias, me dizendo pra estudar e pedir a dEUS (o dela se escreve de diverso modo), assim mesmo, com transitividade aberta, pedir e agradecer.
e vem à tona a sensação de todas as mais fundas perdas. e começa a nascer mais forte e fundo, dentro de cada um dos que ficam a luz de mais uma força introjetada, mais uma raiz que do mundo externo se finca em alicerce de dentro.
eu tive o imenso privilégio, ao menos, de em vida ter podido ser por ela adotada. e herdaremos papoulas, as que ela tanto amava e defendia a estilingue das lagartixas...
bênção, vó! e que dEUS abençoe tua energia agora espalhada em mil direções e dentro da gente.

quarta-feira, dezembro 02, 2009

na repartição

a mulher era gorda, muito gorda. e tinha um olhar triste. muito triste. era essa a observação explícita no recinto. além dos sons do ar condicionado como motor de caminhão, e das funcionárias que conversavam quase como se gritando de um prédio a outro, embora estivessem as duas frente a frente. e mais de meia hora para a funcionária que supostamente nos atenderia nos chamar para "preencher" algum formulário que justifique o emprego dela e a lógica ilógica da burocracia e seus entraves.
grávidas, muitas grávidas, e alguns meninos cheios de remela e meleca de nariz. como se reproduz esse povo, meu dEUS! e a médica da junta, a simpatia de quem ama o que faz... querendo mostrar o poder, obstacula até onde não pode e, por fim, carimba como quem dá um soco no papel amarelento, que lembra as remelas do pirralho na sala anterior.
a pessoa mais feliz de todo o cenário é um cachorro que coça as pulgas na calçada e diz bom dia, abanando o rabo; assim que saímos à rua.
nem havaianas se usa direito. as pessoas pisam com pés tortos, compram números de chinelo menor que o pé e ficam os calcanhares sujos à mostra. a mania de tirar um pé do chinelo de plástico e apoiar o pé na outra perna. lembro da "prima-mãe" e o cuidado com a higiene e o corte das unhas de mãos e pés. limpeza básica, que poucos exercem...
e no primeiro sinal, após vencido o primeiro mínimo trecho na guerra de carros que não usam a sinaleira e nem se dão conta de respeito às faixas, mais uma grávida, pedinte, e com um pirralho remelento e melequento no colo. eu penso, vai pedir bolsa família a Lula, vai! Vai pedir bolsa coelha, bolsa superpopulação de miseráveis ignorantes; pra gente alimentar a índia em que vivemos, nos julgando país do futuro. e o futuro é um barco furado, viu?

brasil, terra adorada, entre outras mil, és tu a pátria enlameada...

terça-feira, dezembro 01, 2009

de um jeito de olhar


uma percepção que se faz estranha
à primeira vista
põe focos enviesados
e muda as perspectivas

pelas entranhas do círculo
o autoretrato
é obsessão de artista
que na própria mão
gera outra esfera
viva