quarta-feira, julho 25, 2007
dissonâncias e afinações
a lagarta perambula em seu passo ligeirinho, por tantas pernas orquestradas já na recuperação das topadas. um arrastar que se faz em largos saltos inaparentes. e vai vagar pensando objetivos que se concretizam em uma medida tão diversa do traçado prévio: aprender é tomar sustos sem perder por completo o fôlego. no suposto engasgo, entra a lufada da surpresa reservada pelos descaminhos cifrados do ampulheto: e havia o menino singelo, doce, de mãos hábeis e língua macia. um presente de palavras e melodia. foi ele o "X" marcado no mapa, que parecia apenas sinal de casual desvio. "tudo que é reto mente", aprende bem a lagarta. e se deixa beijar todas as vezes, pelas mãos do menino. construindo cumplicidades numa terra fria, onde a cerveja nem precisa ser gelada. onde os passos são medidos pela pressa, onde os encontros são esbarrões sem desculpas, sem gentilezas. a lagarta vai levar o menino ainda mais de volta pra sua casa, a dela. e se deixa uma parte das pernas, uma boa dose de arrumadas linhas, rabiscadas em garatuja de caderneta de anotações, nas mãos do menino, nos bolsos de sua calça, nos sons que moram na cabeça do menino: lugar de onde nascem as canções.
sábado, julho 14, 2007
inseto de vagar migratório, por força de sedimentado amor
é sempre tão difícil para o vagalume vagar entre holofotes e nuvens densas. ele pisca com toda a força que tem em seu pequeno ser, mas é condensada demais a luzinha que emana. só olhos de sensibilidade apurada e fina sintonia, que o tenham escolhido e com ele feito pacto de mirar a vista por seus sinais, o podem assim acompanhar como farol. a prosa do pirilampo, então, se faz dialeto do colibri e tudo o mais segue: o coro de amor dos dois. amém.
sexta-feira, julho 06, 2007
da série "cartas em garrafas"
o que se sabe do amor, meu bem? que é ele uma pontada seca de faca na boca do estômago; um exagero de sentidos; um pôr-se tão inteiro dispor-se pelo outro que é um despir-se por completo; uma forma de estupidez dos sentidos, postos numa carga extrema que funcionam ferindo o próprio sentidor.
eu gosto do fato de escrever sem estar sendo lida. eu gosto de cada vez que o teu silêncio se distrai e te escapa uma palavra que confirma o que eu já percebia. e eu percebo que continuo sozinha, na minha paciente espera de ti; mesmo supostamente contigo ao meu lado. pois é, meu bem, eu sou obscura e indecifrável. minhas imensas divagações que surpreendentemente eram o que mais admiravas em mim: este como podia eu fazer tão imensos os desvios da minha prosa, e retornar em cheio ao fio lá antes deixado, é hoje a tua sempre expressão e verbalização de: não sei aonde você quer chegar. caminho a esmo, o das minhas palavras? e as minhas comparações tão improcedentes e infrutíferas, que delas dizer? minhas supostas prévias qualidades se desmontam a cada atrito. andar é fazer atrito com o chão. anda-se porque se empurra o chão para trás. eu carrego meu chão no meu sentir. empurro-o com as milhares de pernas de lagarta que sou, em certa lentidão ruminante, mas com a bússola salvaguardada.
meu litígio, meu bem, é só com não me trair. meu voto de honestidade é comigo mesma, só assim não se trai o outro nem ninguém; não se traindo a si mesmo.
vou continuar em minha paciência. mas recuso-me à estupidez. posso desfazer-me dos sacos de areia, para que o balão permaneça em vôo. posso cortar cada pedaço de carne que se faça estorvo, pra seguir sobrevivente. só não corto nem distorço nem perverto nem retraio nem retorço a minha verdade: compromisso com a carta que jaz no faz fundo da garrafa que sou, onde pôs o antigo avô o ensinamento mais caro: amor. um dos que se entende; se sabe; se conhece pelo cheiro e pelo primado. aquele do qual não se levanta nem poeira de questão. o que é indelével ar de respiro.
eu gosto do fato de escrever sem estar sendo lida. eu gosto de cada vez que o teu silêncio se distrai e te escapa uma palavra que confirma o que eu já percebia. e eu percebo que continuo sozinha, na minha paciente espera de ti; mesmo supostamente contigo ao meu lado. pois é, meu bem, eu sou obscura e indecifrável. minhas imensas divagações que surpreendentemente eram o que mais admiravas em mim: este como podia eu fazer tão imensos os desvios da minha prosa, e retornar em cheio ao fio lá antes deixado, é hoje a tua sempre expressão e verbalização de: não sei aonde você quer chegar. caminho a esmo, o das minhas palavras? e as minhas comparações tão improcedentes e infrutíferas, que delas dizer? minhas supostas prévias qualidades se desmontam a cada atrito. andar é fazer atrito com o chão. anda-se porque se empurra o chão para trás. eu carrego meu chão no meu sentir. empurro-o com as milhares de pernas de lagarta que sou, em certa lentidão ruminante, mas com a bússola salvaguardada.
meu litígio, meu bem, é só com não me trair. meu voto de honestidade é comigo mesma, só assim não se trai o outro nem ninguém; não se traindo a si mesmo.
vou continuar em minha paciência. mas recuso-me à estupidez. posso desfazer-me dos sacos de areia, para que o balão permaneça em vôo. posso cortar cada pedaço de carne que se faça estorvo, pra seguir sobrevivente. só não corto nem distorço nem perverto nem retraio nem retorço a minha verdade: compromisso com a carta que jaz no faz fundo da garrafa que sou, onde pôs o antigo avô o ensinamento mais caro: amor. um dos que se entende; se sabe; se conhece pelo cheiro e pelo primado. aquele do qual não se levanta nem poeira de questão. o que é indelével ar de respiro.
quinta-feira, julho 05, 2007
lagarta de umbigo
publiquei isso faz já uma montanha de pás do ampulheto e sua areia finíssima, quando individualizada, me retorna agora, como uma das primeiras escrivinhações minhas lagarteando.
deve ser que tenho precisado de poesia e de sonhos, além do açúcar em medida exata, dos pastéis de belém, pra enfrentar a lida desentendida do diálogo matrimonial. e tudo agravado pelo aprendizado ainda errante de mil novas palavras imensas e estranhas, mas que existem (pasme-se, estão no dicionário), e figuram aos borbotões no juridiquês: aquela língua que usam os advogados para a gente ficar com cara de espanto leso e não entender nada. é que ando corrigindo, a sobrevivência obriga (não a "noblesse"), uma imensa dissertação de mestrado em direito...
lá vai o texto anterior que eu mencionava:
Sobre uma certa espécie nomeada “lagarta de umbigo”
Uma outra vez, escrevi texto sobre temática semelhante, no mesmo espaço que um dia foi a coluna virtual “balaio buliçoso”, para o portal do jornal do commercio. Foi a pedidos de um amigo muito especial, que anteriormente foi meu aluno e tornou-se daquelas pessoas especiais, com as quais não se precisa estar “grudado” pra haver a certeza do laço. Aliás, com esse amigo talvez haja um caminho muito atípico de freqüente modo de fazer-se presente em mim: nunca entendi o exato porquê, mas ele é uma das pessoas com quem mais constantemente sonho! Engraçado isso. Poderia dizer que a gula me faz sonhar com ele. O pai do meu amigo faz os mais deliciosos pastéis de Belém que se possa provar, seja aqui ou em terras lusitanas (aliás, o pai do meu amigo é português, acrescente-se), e sou uma fã incondicional de tal iguaria. Mas não são os pasteizinhos que me fazem sonhar com Tico... Os enredos, inclusive, são sempre bem inusitados, nos sonhos, mas nem é deles que vou falar.
Agora, prendo a linha do texto no fio que soltei logo no início, o assunto que se repetirá e que Tico me “encomendou”: sobre o que eu escreveria, quando me faltasse um assunto. Esta semana ando meio assim, os assuntos fervilham e nenhum se agarra no meu juízo. Será que a culpa é da tese de doutorado? Do acúmulo de afazeres? Ou de que, às vezes, os assuntos precisam mesmo de mais tempo pra ganharem corpo na nossa mente e se fazerem “materializáveis” em texto?
E junto tudo isso aos sonhos. Não só os com Tico. (Pronto, agora ele fica importante mesmo, já fiz dele personagem. Talvez ele entenda isso como uma homenagem, e fique contente). Enredos de sonhos são assim, muitas vezes: meio caóticos e difíceis de recuperar em linearidade narrativa, ou mesmo na tarefa de atribuir-lhes sentidos. Alguns parecem ser mera lembrança imediata de algum fortuito evento vivido, outros parecem traduzir medos profundos dos sonhadores. Outros ainda são tão embaraçosos... que a gente nem sabe a que atribuí-los e prefere, mesmo, nem relembrá-los muito ou mencioná-los: acorda-se com a face rubra de pudores, ou com riso amarelo de canto de boca.
Mais uma reviravolta na seqüência deste texto, que me sai numa ordem parente da dos sonhos, aos borbotões de imagens. Peço aos eventuais leitores que me façam a gentileza de perdoar a aparente confusão e tentem “sonhar este texto”, ou por outra, compreendê-lo como fazemos com nossos próprios sonhos. E passo a narrar um destes. Eu tinha um brinco, suposto adereço de embelezamento, que se pode pensar como um carinho com o próprio corpo. Só que era no umbigo; isso que chamam piercing. Eu, uma pessoa que não usa roupas que deixem a barriga à mostra. Meu piercing seria mesmo uma conversa de mim para meu umbigo.
Enfim. O sonho era que este “brinco de umbigo” parecia começar a inflamar, muitos anos depois de já cicatrizado. Fato deveras suspeito e estranho. Após uns dias de certa desconfiança e ansiedade, as revoluções geográficas na minha barriga davam sinal de o que realmente vinham a ser: tratava-se de um hóspede que me vinha habitar o buraco do umbigo! Uma lagartinha muito simpática e falante me saía do piercing (do furo que ele preenchia em meu ventre) e passava a ser meu próprio “bicho de goiaba”, expressão que uso com outra amiga, pra nos referirmos a nossas “caraminholas”, as pequenas obsessõezinhas que mantemos na vida, os “grilos” do juízo. E com ela (minha lagartinha de estimação) eu discutia de tudo, desde as trivialidades até os problemas existenciais e as dúvidas metafísicas que nos perturbam sazonalmente.
Pronto: daí pra lembrar do grilo falante, da história do Pinóquio; das lagartas e gatos e coelhos e lebres do País das Maravilhas, de Alice, foi um pulo. Também, a formiguinha que passa a habitar a casa do personagem de Ignácio Loyola Brandão, no conto inicial do seu livro O Homem que odiava a segunda-feira, e que vira interlocutora constante, e mesmo confidente, do dono da casa. Lembrei ainda, inevitavelmente claro, do romance de Copi - autor que estudo neste tal doutorado, e quem acompanha aqui a coluna disso já sabe- intitulado La Cité des rats (em bom português: A Cidade dos Ratos). Neste romance o narrador é um ser humano, que por ter abrigado durante anos um rato em sua casa fez-se dele amigo e confidente, chegando a aprender o idioma dos ratos e a tornar-se tradutor das narrativas que recebe de seu amigo roedor, passando-as para o francês e publicando-as.
Pois é, depois de lembrar tanta coisa aparentemente delirante, mas tão recorrente na literatura, olhei meu sonho de modo diverso e passei a ter imenso carinho pela minha “lagarta de umbigo”. Então, no hiato de assuntos para este Balaio, resolvi apresentá-la a vocês, porque já não me preocupa tanto interpretar de onde me brotou semelhante personagem onírico, importa é que ela habita agora tanto meu inconsciente, quanto minha imaginação e minhas conversas “comigo mesma”. E desejo a todos que encontrem, adotem, assumam, criem seus imaginários, mas incontestáveis amigos-confidentes; seja por inspiração literária ou por um conteúdo latente em algum sonho banal, seja noturno ou saído de cochilo vespertino.
Ah, em tempo, antes que eu deixe meu amigo Tico perdido nalgum ponto deste texto, recupero-o desejando-lhe, em especial, que sonhe com algum amigo semelhante à minha lagarta e, com ele, tome muitas coca-colas e cervejas, quem sabe acompanhadas por algum pastel de Belém.
deve ser que tenho precisado de poesia e de sonhos, além do açúcar em medida exata, dos pastéis de belém, pra enfrentar a lida desentendida do diálogo matrimonial. e tudo agravado pelo aprendizado ainda errante de mil novas palavras imensas e estranhas, mas que existem (pasme-se, estão no dicionário), e figuram aos borbotões no juridiquês: aquela língua que usam os advogados para a gente ficar com cara de espanto leso e não entender nada. é que ando corrigindo, a sobrevivência obriga (não a "noblesse"), uma imensa dissertação de mestrado em direito...
lá vai o texto anterior que eu mencionava:
Sobre uma certa espécie nomeada “lagarta de umbigo”
Uma outra vez, escrevi texto sobre temática semelhante, no mesmo espaço que um dia foi a coluna virtual “balaio buliçoso”, para o portal do jornal do commercio. Foi a pedidos de um amigo muito especial, que anteriormente foi meu aluno e tornou-se daquelas pessoas especiais, com as quais não se precisa estar “grudado” pra haver a certeza do laço. Aliás, com esse amigo talvez haja um caminho muito atípico de freqüente modo de fazer-se presente em mim: nunca entendi o exato porquê, mas ele é uma das pessoas com quem mais constantemente sonho! Engraçado isso. Poderia dizer que a gula me faz sonhar com ele. O pai do meu amigo faz os mais deliciosos pastéis de Belém que se possa provar, seja aqui ou em terras lusitanas (aliás, o pai do meu amigo é português, acrescente-se), e sou uma fã incondicional de tal iguaria. Mas não são os pasteizinhos que me fazem sonhar com Tico... Os enredos, inclusive, são sempre bem inusitados, nos sonhos, mas nem é deles que vou falar.
Agora, prendo a linha do texto no fio que soltei logo no início, o assunto que se repetirá e que Tico me “encomendou”: sobre o que eu escreveria, quando me faltasse um assunto. Esta semana ando meio assim, os assuntos fervilham e nenhum se agarra no meu juízo. Será que a culpa é da tese de doutorado? Do acúmulo de afazeres? Ou de que, às vezes, os assuntos precisam mesmo de mais tempo pra ganharem corpo na nossa mente e se fazerem “materializáveis” em texto?
E junto tudo isso aos sonhos. Não só os com Tico. (Pronto, agora ele fica importante mesmo, já fiz dele personagem. Talvez ele entenda isso como uma homenagem, e fique contente). Enredos de sonhos são assim, muitas vezes: meio caóticos e difíceis de recuperar em linearidade narrativa, ou mesmo na tarefa de atribuir-lhes sentidos. Alguns parecem ser mera lembrança imediata de algum fortuito evento vivido, outros parecem traduzir medos profundos dos sonhadores. Outros ainda são tão embaraçosos... que a gente nem sabe a que atribuí-los e prefere, mesmo, nem relembrá-los muito ou mencioná-los: acorda-se com a face rubra de pudores, ou com riso amarelo de canto de boca.
Mais uma reviravolta na seqüência deste texto, que me sai numa ordem parente da dos sonhos, aos borbotões de imagens. Peço aos eventuais leitores que me façam a gentileza de perdoar a aparente confusão e tentem “sonhar este texto”, ou por outra, compreendê-lo como fazemos com nossos próprios sonhos. E passo a narrar um destes. Eu tinha um brinco, suposto adereço de embelezamento, que se pode pensar como um carinho com o próprio corpo. Só que era no umbigo; isso que chamam piercing. Eu, uma pessoa que não usa roupas que deixem a barriga à mostra. Meu piercing seria mesmo uma conversa de mim para meu umbigo.
Enfim. O sonho era que este “brinco de umbigo” parecia começar a inflamar, muitos anos depois de já cicatrizado. Fato deveras suspeito e estranho. Após uns dias de certa desconfiança e ansiedade, as revoluções geográficas na minha barriga davam sinal de o que realmente vinham a ser: tratava-se de um hóspede que me vinha habitar o buraco do umbigo! Uma lagartinha muito simpática e falante me saía do piercing (do furo que ele preenchia em meu ventre) e passava a ser meu próprio “bicho de goiaba”, expressão que uso com outra amiga, pra nos referirmos a nossas “caraminholas”, as pequenas obsessõezinhas que mantemos na vida, os “grilos” do juízo. E com ela (minha lagartinha de estimação) eu discutia de tudo, desde as trivialidades até os problemas existenciais e as dúvidas metafísicas que nos perturbam sazonalmente.
Pronto: daí pra lembrar do grilo falante, da história do Pinóquio; das lagartas e gatos e coelhos e lebres do País das Maravilhas, de Alice, foi um pulo. Também, a formiguinha que passa a habitar a casa do personagem de Ignácio Loyola Brandão, no conto inicial do seu livro O Homem que odiava a segunda-feira, e que vira interlocutora constante, e mesmo confidente, do dono da casa. Lembrei ainda, inevitavelmente claro, do romance de Copi - autor que estudo neste tal doutorado, e quem acompanha aqui a coluna disso já sabe- intitulado La Cité des rats (em bom português: A Cidade dos Ratos). Neste romance o narrador é um ser humano, que por ter abrigado durante anos um rato em sua casa fez-se dele amigo e confidente, chegando a aprender o idioma dos ratos e a tornar-se tradutor das narrativas que recebe de seu amigo roedor, passando-as para o francês e publicando-as.
Pois é, depois de lembrar tanta coisa aparentemente delirante, mas tão recorrente na literatura, olhei meu sonho de modo diverso e passei a ter imenso carinho pela minha “lagarta de umbigo”. Então, no hiato de assuntos para este Balaio, resolvi apresentá-la a vocês, porque já não me preocupa tanto interpretar de onde me brotou semelhante personagem onírico, importa é que ela habita agora tanto meu inconsciente, quanto minha imaginação e minhas conversas “comigo mesma”. E desejo a todos que encontrem, adotem, assumam, criem seus imaginários, mas incontestáveis amigos-confidentes; seja por inspiração literária ou por um conteúdo latente em algum sonho banal, seja noturno ou saído de cochilo vespertino.
Ah, em tempo, antes que eu deixe meu amigo Tico perdido nalgum ponto deste texto, recupero-o desejando-lhe, em especial, que sonhe com algum amigo semelhante à minha lagarta e, com ele, tome muitas coca-colas e cervejas, quem sabe acompanhadas por algum pastel de Belém.
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