
o quanto já escrevi por aqui sobre felinos, nem sei... mas acho que nunca principiei a história da minha funda relação com os bichos começada pelos cães: primeiro convívio e cuidado de estimação. talvez tenha mencionado arisco (o nome mais despropositado pra natureza de uma criatura; era ele um boxer tão afável que mais deveria se chamar mingau), companheiro meu embaixo da mesa de jantar. mas essa é história outra, a que penso já ter aludido neste sítio.
só que dos muitos cães, amores verdadeiros, sem dúvida, a vida me converteu: pelo encontro com zureta e nina. a proximidade e a coabitação com os gatos é ímpar, peculiar e sutil, como só a elegância e a dignidade da espécie poderiam proporcionar.
a fidelidade não submissa; o amor que ensina limites, medidas, respeito à individualidade e ao tempo de cada um; a independência que não conhece egoismo; o carinho na exata medida; a solidariedade e a paciência de dormir todas as noites ao pé da porta do quarto, para miar pontualmente e despertar para a acolhida matinal... não só aquele que o alimenta, mas aquele com quem se travou O laço. assim é o gato.
os tolos e ignorantes repetem chavões: que é interesseiro e apega-se apenas à casa...
minhas gatas me buscam por saudade; me seguem pela casa apenas para estar junto de mim, sem babar, sem latir, sem se submeter, apenas pelo zelo da companhia, pelo piscar de olhinhos reluzentes de uma quase coruja a dizer que amam.
apegam-se à casa apenas, não é? por que, então, quando viajo - apesar de ficarem em casa e terem quem as alimente e dê água - elas perdem pelos e ficam me buscando pela residência toda?
o cão é que é fiel ao dono, não é? e quem consegue afagar um gato que não conhece e que vem correndo e se estabanando, virando barriga pra cima? zureta e nina são fiéis à "dona" suposta delas (elas que me possuem, na verdade)... desafio os que cheguem e elas permitam intimidades e toques sem antes muito exame, uma aquiescência imensa minha e o veredito (delas) de que a pessoa merece essa concessão. já eu, posso tocá-las, mesmo que elas me saibam dizer sutilmente (com um levíssimo mover de coluna) que não querem o toque naquela hora. afinal, nós às vezes também não queremos ser tocados em um exato momento...
a cada dia descubro algo novo e diferente pelo olhar delas. a curiosidade e a audição inacreditável; o equilíbrio e a absurda elegância; a precisão no "pulo do gato"; a habilidade do silêncio eloquente; a maciez do pelo e o cheiro bom; a higiene e o cuidado de si (inclusive, zelando pelos dejetos enterrados)...
uma vida inteira, aliás sete, cercada de felinos é o que preciso para a cada dia converter-me mais em uma deles. amém.
fotografia: Raíssa Moraes