quinta-feira, novembro 26, 2009

na roda da fortuna


as parcas, que fiam o destino.
eis a imagem do círculo vital, no qual há as inevitáveis subidas e descidas, os giros de posição de conforto, declínio, decadência, infortúnios e realinhamentos cíclicos de subidas, de retomadas, no tênue processo constante do equilíbrio: como num circo.



(a foto é de Alexander Rodchenko)

terça-feira, novembro 24, 2009

sobre barro


arquitetura de ninho, fazendo casa e aconchego.
um inteiro edifício passarinho
do joão engenheiro:
neste eu queria morar...


mas voo mesmo é pro quintal
de grama onde enfiar pés,
como lírios brancos e jasmins.

segunda-feira, novembro 16, 2009

da série: exercícios de levitação (mas e por quê?)


aquela fase das crianças em que tudo deve ter uma explicação. um dos meus sobrinhos teve essa fase de modo profundamente radical, passou uma longa temporada em que a sequência dos porquês não tinha fim. e uma vez cismou que junho vinha depois de julho, e que tinha certeza disso porque tinha visto assim na agenda escolar, e uma agenda escolar é escolar, ora, é pra ensinar, então tinha que estar certa! e não adiantava explicar, dentro do carro em deslocamento, longe da agenda. e ele perguntava: por que num é? é sim! até chegar em casa e ver que era o contrário... aí, sem se dar por vencido, pergunta: mas por que junho é antes? podia ser depois... por quê?


os balões que habitam o juízo dos pequenos infantes são uma porção fundamental de gás hélio para que nossa imaginação, mesmo depois da ação de Crhonos, possa seguir fluindo e flutuando, na alma ícara que nos permite manter sãs as veias e a poesia. crescer atados ao voo desses balões é o que nos faz escapar da fatal crise de imaginação.


meu avô era exímio adorador de balões, de voos e de ares. mais aprendidos com o velho menino.



um pouco non sense...

sábado, novembro 14, 2009

sexta-feira 13

um dia feliz, muito feliz. todo dia 13, se já era data dileta, há uns anos converteu-se em data festiva. de celebração que nem precisa de alarde,que se dá mesmo lá dentro fundo, na partilha íntima.
nem pude deixar aqui o resgistro ontem mesmo, mas o faço hoje.
com o brinde ao número, a sucessão dele sem ponto final...

quinta-feira, novembro 12, 2009

da série: exercícios de levitação


Escrever é um exercício: inegável constatação.

como observar nuvens

e fazer-se

tão intrinsecamente poeta,

que nelas se enxerga

a capacidade de uma vera visão.



brincar feito menino, lúdico ofício, sério como crescer, inevitável como o ampulheto escorrer-se em areia.


em menina, sonhei -ainda ontem- amarrar uma nuvem pelo rabo e pedir a ela que me levasse a passear...

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o amor é um exercício: inegável constatação.


desprendimento de si, embrenhagem na mata do outro; retorno do abraço em si próprio, na oferta -enfim entendida- de oferecer a outra face.



sapo na viola, indo pra festa no céu. dorothy abraçada pelo tornado, visita o mágico de oz... nuvens; desprendimento do chão.

quarta-feira, novembro 11, 2009

saudade é presença no reverso

e eis que hoje é dia de pensar nela...
dedicado o dia a lembrar uma criatura ímpar,
que fez da sua casa acolhimento, de pinceladas, de passos iniciantes, de ícaros em princípio de voo. abrigo de mim mesma, menina. tão engraçado, como nos adorávamos; nos frequentávamos; nos queríamos perto. eu, muito menina, desde sempre, gostava de frequentá-la, e ela, já senhora, de me ouvir. me levava pra almoçar e passar toda a tarde inteira com ela, lendo juntas, regando plantas do jardinzinho tão lindo, naquela casa que cheirava aos jasmineiros que percorriam a lateral de entrada do bequinho em que vivia, encantada em um bosquezinho colorido tão dela. foi uma amiga, uma avózinha reconhecida e escolhida. na casa dela, tantos primeiros eventos: o primeiro porre despressentido do irmãozinho mais novo, os encontros e reencontros com pessoas queridas, as conversas noite adentro, noitadas de criança e de mocinha, na rua do futuro, no número 25. endereço poético, que sempre vai povoar minhas melhores memórias.
querida amiga, tereza dourado: um beijo de saudade.

domingo, novembro 08, 2009

laranja difuso


o céu laranja
na minha preferida hora
doura o quadro
da minha boca na tua

beijo

e amo duas mulheres
que habitam em mim

mas como conciliá-las
para que vivam em harmonia assim?

espelho da lua
na tela vazia
de uma rua que se bifurca em vias

traço o retrato
de o quanto em mim
descaibo

e amo duas mulheres
que habitam em mim

como dividir-me em corpos
e espaços
quando meus líquidos se espalham
e amo cada detalhe de cada uma delas em mim?

sou vasta e nenhum amor me basta?
sou múltipla e a unidade me castra?
sou louca e me bifurco em alas?
rompo-me as asas e voo na teimosia
de amar duas mulheres em mim
como cativas habitantes da minha polifonia

no céu se esvai a cor
que me fez surgir o devaneio
do beijo sem freio
da minha boca na tua
duas mulheres que são uma

o amor é quase sempre
uma viagem afora
para cair-se em si

e do mapa sem bússolas
miro-me no espelho
para perder-me de mim

sexta-feira, novembro 06, 2009

orixás e devoção


igarapé, nome de autobatismo, do orixá de sabedorias muito antigas, com cheiro de mato, de planta medicinal, de chá de cura, mesinha de pajé. igarapé, nome de água, nome de charco, de microcosmo de vida miúda, de habitat de passarinho pequeno, colibri cor de pirilampo, orixá das origens, orixá em sentido bíblico, orixá horizontal que se verte em todas as formas, por sob frondosos cachos de árvores de muita cepa. igarapé, orixá de inundações benfazejas, de amor de raiz funda fincada e sabedoura. orixá de crescimento, devoção, proteção e fecundidade do gozo renovável sempre. igarapé, orixá sem ponto final...

quarta-feira, novembro 04, 2009

nostálgicas imagens de todo dia


...ela sai assim, todo quase dia, pedala sabiamente a favor do vento, que acaricia seus cabelos de cachos, e com olhos atentos, insere-se nos devidos espaços, num voo liberto alcança novos pastos, em que espalha sua ginga de capoeira menina, com girassóis insinuando-se pela fronte, abraçados em um entrelaçado recinto que abre os caminhos, como oferenda aos orixás de proteção, alada ciclista, pensamentos dispersos, pirilampos na imaginação...

terça-feira, novembro 03, 2009

da série: instantâneos


Polaroide:
alumbramentos são

súbitos

seres vagalúmicos


(quando a luz se afasta

a moça na sombra

é meu peito

que desata)

segunda-feira, novembro 02, 2009

da série: instantâneos


picadeiro:



há dias em que me
sinto
tão alegre,
que é como se dEUS
houvera
me parido num circo.
p.s.: imagem Picadeiro com Leões amestrados - Rubem Grilo - 1984

domingo, novembro 01, 2009

papéis amarelados, do fundo do baú de guardados...


Tenho partido-me de avessos. Como, numa mesma fresta de janela, sombra e raio direto: sol. Pensando em quanto me basto, e como grande fica descaber nessa constatação. Depois dela. Na vera, durante, ainda e sempre. Constatações são meteoros de pensamento em forma de inegável azulejo branco: nada contesta. Mas nada é, nem sempre, constatável; por vezes só insinuável. Sina, curva torta: sinuoso. Fazer aposta em risco é ser jogador na própria alma. Sem risco, é só exercício de corpo. Até mais e porque: em mover-se, pode-se permanecer no mesmo lugar; ou advir tombo. Um risco em que se corre é apenas uma linha, fina, reta, que pode esconder pequenas crateras, quando os pesos são mais do que pode o branco do papel. Mas não se aprende equilíbrio no plano, puro. Tem que ser matéria de gravidade.
Isso são aforismos, somente?
Afora o sonoro feito no escrever das palavras, penso esconderem-se sentidos... restam sendo aforismos? Bonita palavra, de erudição. Ficar sábio às vezes é acumular poeiras da língua no miolo do juízo, encravadas. Mas quando é sabideza de mesmo: haja limpidez. É quando tudo fica tão claro; mesmo se torto ao ponto de o pescoço dar giro sobre si mesmo. Claro de o sol assomar-se à sombra, pra que se tenha luz e fresca brisa, no conforto de um parapeito, onde a gente senta despressentido, justo por saber que por ali vai entrar aquele beija-flor, aquele que a gente esperou vir nos buscar toda vida. Aquele que a gente sabe que nasceu no nosso dentro e vamos desengolir na exata hora de mergulhar o fundo nariz no girassol.





(esse texto recebeu por nome: beija-flor de girassol, mas não é título, pois que melhor cabe é só aparecendo no final).