quarta-feira, setembro 30, 2009

da visão

a gente faz força
pra ver que enxerga
sempre pedaço.


a gente
deixa de ser
míope,
mas pra descobrir
mesmo
que é cego.

domingo, setembro 27, 2009

domingo no clã

um almoço luxuoso, palavras de Raminho... comemos o já quase famoso "curupira", ou pirão de cozido feito magistralmente pela minha genitora. casa cheia, todos lá. muitas fotos muito antigas, de quando eu comecei a ter "janelas na boca", banguela (quem sabe na outra ponta da vida estarei de novo assim...), de quando era criança bailarina com a cunhada (e nem imaginávamos tudo que viria), de Lelo aprendendo a vitória régia (planta nome de professora), de Rafa sempre meu cúmplice...
um dia de rever passado em preto e branco cristalizado pelo foco do pai, de cabeça branca e sorriso de todos juntos, a beleza serena do rosto da mãe nas fotografias, a cerveja e a comida sem pressa. o pudim de leite que é uma reza, mais ainda com o café recém coado. a mãe lambendo-nos, as crias todas.
amém ao ampulheto: atravessadas a nado tantas tormentas familiares, permanecemos com laços sadios, conscientes dos joelhos ralados e vãos, mas em estado de possível festa: prosaica e, por isso mesmo, luxuosa.

sexta-feira, setembro 25, 2009

homeopática

eu ando tentando ser assim, a cada dia o seu cuidado; a cada inspiração sua exata medida de ar, para a expiração ser também apaziguada e os pulmões se alimentarem como lhes é devido.
mas parece que a respiração das palavras anda curta, acelerada, por extrema oposição à paciência que me é exigida. tento carregar nos bolsos apenas o trocado justo em cerzidura precisa às inquestionáveis e imperiosas demandas: nem quero negociar o elastecimento de nada. quero ficar calada, no mais agudo silêncio, feito coruja na toca bordando sabedorias muito antigas, enquanto gota a gota se opera a cura.

quinta-feira, setembro 24, 2009

El Camino Del Sur

- hay certas cosas, niña, que no debo decirte... pero intento llegar al mínimo, que es la presunción mayor del humano.

quarta-feira, setembro 23, 2009

natura/cultura: fraturas ocidentais.

vi ontem o anticristo, de lars von trier. ainda tô por lá, pelo éden dele: imagens lindas, torturantes, poéticas... revisão dos demônios do ocidente, brincadeira de esteta genial com os clichês e os cortes, as feridas, as lacunas de nossa ânima judaico-cristã...

sexta-feira, setembro 18, 2009

ralo abaixo

a teoria da privada e a modernidade consumista desperdiçosa... meu dEUS ampulheto, o que fazemos nós de ti? e lá é evolução, toda vez que algo quebra (porque a areia escorrendo é inevitável e o desgaste sobrevém), vai-se substituir apenas o defeituado e precisa-se trocar tudo, porque a tecnologia é infame, casada com a lógica mercadológica mercantil, e não tem mais a peça antiga, senhora... não fabricam mais... e lá vai a pessoa.
deixa eu contar a odisseia do armadegon, o dia do apocalipse now, o juízo final sob a forma de uma privada vazante.
foi assim meu dia: acordei e o meu banheiro era uma piscina particular, bem no dia seguinte à faxineira vir e deixar tudo impecavelmente limpo. lá fui, criança ordeira, enxugar tudo e descobrir de onde minava aos borbotões o líquido. A CAIXA DA DESCARGA TINHA RACHADO... como acontece isso, se nem fiz uma "festa na laje" em cima dela? como uma caixa de descarga racha assim, por obra e graça de fantasmagoria, sem pancada sem nada???
metafísicas.
dei descarga, pra esvaziá-la e corri pra fechar a torneira do registro. ufa, que ideia genial.
liguei pro encanador, sempre um diálogo e uma negociação bem difíceis. lá saio, urgentemente (isso sempre tem que acontecer no dia em que você não tem um minuto vago nem pra soltar pum), pra comprar outra caixa de descarga. no armazém, o homem (mais enrolado que carretel de linha) diz que não fabricam mais daquele modelo e é arriscado levar uma semelhante apenas, porque o encaixe pode não ser perfeito e vai vazar de novo! avestruzes me persigam, eu já quero consertar um vazamento, não vou me arriscar a outro. resultado: tem que comprar a caixa com bacia e tudo, completinho! delícia, mais caro, mais trabalhoso pro encanador trocar, mais serviço seboso na casa da pessoa... mas vamos lá, que a vida é assim: um filme de jerry lewis, uma comédia de erros.
compro a p***, corro e deixo com o porteiro e corro de novo e vou trabalhar.
somente à noite, o dia não acaba. chego às 22h em casa, o indivíduo veio e fez o serviço, sob a supervisão do outro habitante do lar e... ufa, vou ligar amanhã, pra ele corrigir o serviço seboso, sem acabamento etc...
NÃO! vou ligar, porque amanhece, agora, vazando o chicote da descarga!
jeová! jesuscristinho dependurado na cruz com aquela roupinha que mais parece uma fralda de lençol, perdoai-os, eles não sabem o que fazem! e a caixa de descarga veio, novinha e com defeito. e o encanador vem de novo hoje, pro segundo turno do serviço interminável.
até o armagedon e o apocalipse now da minha vida, literalmente, privada têm que durar mais de um capítulo?

segunda-feira, setembro 14, 2009

sobre metáforas arbóreas e a invitável tarefa das escolhas

um galho pode parecer frondoso e confortável, pra nele se fazer morada, atar braço de rede, abrigar-se sob a sombra... outro mais mirrado, ao lado, menos tentador; talvez até denotando aparente insegurança, fascina pelo tênue que traduz, pelo desafio, pelo encanto, pelo sabor dos jovens frutos a se colher. da terra das árvores, é preciso saber a hora de ser baobá, a hora de ser ramagem ligeira de canto, galho espinhoso de pau brasil, pé de acerolinhas.
ah se as jacas tivessem a gentileza das melancias, de nascer ao rés do chão: fruto denso se colheria sem riscos.
melhor exercitar o inevitável. nos jardins do mundo mais prosaico é como já viu Borges: as veredas se bifurcam, e se multiplicam como as paralelas (ao infinito), mas sem garantias de encontro lá no dito fim que não termina... abstração matemática por excelência.

sexta-feira, setembro 11, 2009

sobre ontem

um dia dedicado a lembrar um amor perene, mas com crises de intermitência. o desconhecimento esporádico e reincidente, às vezes, nos faz animais ressabiados. mas a lição natural das raízes nos refaz dos sentidos primevos, de carne e sangue: laços de origem. não havia como não pensar nele. nos aprendizados afetivos, nas quedas, nas perdas, nas construções... na tão gemelar similitude, que desde sempre nos fazia confusos os gêneros, até para os examinadores externos.
ele, o menino. eu, a menina mais velha. tão pouco mais velha, quase nada. divididos os peitos, os medos, os brinquedos, as dores de crescimento.
livros lidos em paralelo; escritos partilhados. noites escondidas, roubadas às interdições paternais, em que o relógio nem importava. o abraço que me religava ao melhor de mim, sempre. o motivo das minhas brigas, o motivo de eu saltar sobre qualquer um: defender o menin0.
quis o menino-homem, sempre lindo e sem perder o menino. sem perder o ingênuo sorriso, o lúdico, o afeto. era o mais doce menino que conheci. o sorriso me fazia querer ser mãe dele, e fui. atropelei a ordem natural e fui mãe do menino.

as estradas se bifurcam e as decisões se vão acumulando a cada encruzilhada. numa malha cartográfica de vida, a gente já se perdeu tanto. esquecemos de artifícios da infância: mãos dadas sempre, um novelo de corda, os assobios, até os tecnológicos rádios comunicadores...
os acasos por vezes nos religam, porque da ordem atávica dos perenes. e me alimento do verde inseto da crença, a cada sopro de sorriso do menino, quando sinto que ele ainda é meu filho. quando sinto que ele ainda ama a sua mãe, ainda consegue vê-la sem máscaras e sem receios. quando o menino ama sua mãe sem ressalvas de ordem normocrática.
eu desejo ao menino, no dia em que todo ano ele renasce: olhos sempre puros, pra enxergar de verdade. a ele mesmo, a mim (sua mãe) e a nós: esse laço que é nó, e nada devia ameaçar.
eu desejo ao menino a sabedoria de que amor não se mede; não classifica, não julga: até diz não, pra se preservar e crescer. mas é incondicional.

quinta-feira, setembro 10, 2009

no talo

assim, quando nenhuma maquiagem encobre, nem mesmo se pensar na fantasia lúdica de palhaço, na máscara do baile à fantasia, no saco de papel com buracos apenas pros olhos...
no talo, eu hoje acordei assim. da minha refinaria pessoal, só saem desejos de que o ampulheto escorra ladeira abaixo, ligeiro como susto e um fulminante infarto. me leve junto na corredeira, como embrulho orgânico de ébrio: massa, ossos, vísceras, líquidos... tudo desarmado de prevenções, entregue ao passo em falso, suspenso como funâmbulo hipnotizado. no gabinete de Caligari, eu mesma, sonâmbula imperadora dos fantasmas e expressionismos esconsos de uma arquitetura que não cabe na ordem pré-fabricada, e que cansou de ser responsável, comprometida, infalível. quero um imenso erro deliberado e inconsequente, mas não de todo pressentido, que me salve do meu inludibriável bom senso e juízo.

quero entalhar - no talo, na raiz, no fundo oco de onde me brotam os pântanos - as cicatrizes visíveis, doentes e reincidentes, dos cacos de lixo que recolho por onde passo.
das arestas de galhos infrutíferos, ou pestilentos e amargos, onde se instilam os venenos mais brutos, banho e nasço a eficácia do meu relato.

terça-feira, setembro 08, 2009

a arte da paciência

determinadas esperas são o mais dilatado espaço do tempo. e vera arte é atravessá-las a nado, sem sufocar-se no próprio respiro - que se torna curto, por vezes, porque a alma se indigna, quando assim sufocada.
beber do justo caldo, saber-se merecido dono: e estar-se além do que é direito!
árvore muito antiga, cujo tronco se vê talhado pelo estúpido ego de semianalfabetos: em si, na língua, no tato...

quinta-feira, setembro 03, 2009

da arte de untar besouros

adestrar lagartixas em coleira de cordão
ouvir dos outros que me desencaixava
tinha quatro olhos,
orelhas de abano
bronze de vela, macaxeira, fantasmagoria
e tamanho de levar safanão

ainda era pior
padecente de uma timidez desinibida
estranho jeito de proteção
falava, ria, contava causos
como se nada abalava a fundação
de mim

era agonia, mesmo assim.
alguém sempre apontava
rente
o rabo do gato por trás da cortina

brincadeira de esconde-esconde
comecei a constatar
que desencaixe era via-mestra
regra do jogo
pueril até

finquei estrela no esquisito
pago preço
compro risco
e de larva a borboleta
faço o caminho do riso
e chovo vez em quando
porque germino

terça-feira, setembro 01, 2009

mundo cão

ô expressão infeliz, a que aderimos sem nem sentir. quanta paranoia e loucura gira em torno de tudo: qualquer afeto, qualquer aproximação que mais quer expandir o bumerangue das melhores proliferações pode se tornar o que nos fere. e somos obrigados até a fingir que somos algo além, e eu me recuso a não ser o que sou, se assim me forjei em amor e compreensão: o que me salvou. apesar de todas as pedras e ladeiras forçadas abaixo, permanecerei respeitando a privacidade e a dor alheia. ah, meu querido personagem confidente, podes me testar em oráculo e providência e destino e fardo e fato e lenda e sina e sorte, ou como mais de sinônimos se faça o que me cala e o que me imanta a alimentar a alma de poesia - que um dia nos redimirá e forjará o mínimo da resistência necessária para que o mundo seja de fato cão, no melhor sentido: o de cão, não o de gente (que se projeta nas merdas que inventa como códigos de boa conduta, normalidades repressoras e falso-moralistas).

(ao último dos felinos que resgatei de pés humanos assassinos, e a todos aqueles que regulam o amor alheio e suas formas de existir, e a todos aqueles que nos querem fazendo o que eles próprios fazem e não o que nossa mais funda natureza nos sopra... desejo não apenas um mundo cão, e sim um mundo animal, menos humano, por dEUS).