domingo, setembro 23, 2007

da série "cartas em garrafas"

vinte e quatro horas, e mais algumas. eu nunca direi o que acredito dever ser percebido pelo outro. eu chamo a mim a responsabilidade de perceber o meu entorno. se cega dos olhos, uso o tato; os ouvidos; o olfato... cada sentido em socorro do perfeito funcionamento da orquestra, e a devida importância ao percussionista ao fundo, sentado toda a peça, cujos pratos têm precisa hora para soar. se erra a entrada, compromete a coletiva obra.
persigo uma lufada de ar: não qualquer uma. aquela que me preenche o respiro. não me vingo, não me locupleto, não desperdiço. a reserva é sempre o meu melhor abrigo.
te compro um mapa. entre presentes e tantos sinais, te dou todas as respostas, na eloqüência do que calo. o tempo e o silêncio, minhas duas matérias, os dois elementos de que sou feita: lagarta.
no meu casulo só há que a precisa luz em medida justa. se desafino, a borboleta em mim eu mato.
um laço não é só um nó. um laço são duas pontas, de duas linhas, de uma mesma corda, de um trançado: um laço. não um balaio.

sábado, setembro 22, 2007

jocoso coincidir: lagartas

pro começo da conversa, são duas personagens. uma era uma maestra má do oeste, prima da bruxa do país de Oz. a outra era um insetinho cioso de suas funções nobres na natureza: apenas executar seu papel no ciclo. a maestra, como condiz com a função (também assim foi nomeada por outra jocosa confluência), gostava de manipular as cordas dos instrumentos e de amarrar com as mesmas cordas as mãos e pernas e a língua e o pensar dos a sua volta, sua orquestra de regidos. e como a maestra tinha muito nojo de lagartas, porque não sabia ver a beleza não óbvia da véspera da borboleta, deu de assim chamar a outra personagem, que a si mesma, esta, já se via e se sabia lagarta, mas não nojenta. muito menos cheia de peçonha, que cabe a outra ordem de vida. pro meio da conversa, a maestra emboloou os idos e vindos do tempo, num moto-contínuo de desverdades e dessentimentos. a lagarta, como lhe cabia a natureza, foi uma paciência. permanece sendo, até que os olhos das outras personagens reluzam em visão.

sexta-feira, setembro 07, 2007

da série "cartas em garrafas"

ah, as horas tantas em que eu queria me manter calada. nenhuma palavra, nenhum som escapando, nem mesmo murmúrio, gemido, onomatopéia a trair os pensamentos. um plácido silêncio, um repouso de linguagem verbal e sonora, absoluto nada de sons. mais ainda, eu queria um absoluto oco de expressões, pra tentar traduzir ao externo de mim o vazio que me repleta o de dentro.
não se fazer entender é ter que voar um balão cheio de sacos de areia, como toda a tralha e o peso de ver-se ignorado. de ver-se inutilizando-se em verbo. desdobrar-se em sons que apenas nauseiam os ouvidos. não quero explicações. abaixo o diálogo de fachada. amigo querido, que bem ensinaste, tantas vezes: "estou convencido, uma planta não enxerga a outra". e mais, "o que ficam são os afetos". certa contradição aparente, equacionada quando do entendimento que prescinde do verbo.
um dia, dEUS tomara, eu me calo.
e ponho na garrafa que lanço ao meu mar um papel imaculadamente branco. meu pedido de socorro? um silêncio, por favor.

teoria da irrelatividade

eu queria sintetizar uns momentos em que as palavras escapam. qual a melhor forma de os traduzir? e deixo uma diarréia verbal me escapar, feito arroto tosco, que carrega em si milênios de humanidade. eu hoje estive anestesiada, após os músculos do corpo serem untados com suave óleo de olor idem, todos os membros, apesar de eu estar deitada de ventre para cima, estavam invertidos. apenas a cabeça, como se virada ao avesso completo. uma espécie de curupira, só que ao invés de serem os pés ao contrário, era a cabeça. e o chão afundava, embora eu não fosse junto.
eu queria traduzir a impossível relativização de certos valores.
afinal, existirá caráter relativo? ou, mais contundentemente formulado: falta de caráter relativa? alguém tem meia honestidade? meio caráter? meia ética????????

e isso seria só o começo...